“Qualquer um pode zangar-se - isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – isso não é fácil.”
Aristóteles
Sei esta frase de cor. Repito-a muitas
vezes no consultório, quer quando trabalho com alguém individualmente, quer na
terapia de casal. Porque resume bem os principais erros que cometemos – quase
sempre sem percebermos – quando a raiva toma conta de nós, quando reagimos de
forma imediata, impulsiva. Quando permitimos que a inundação emocional sequestre
o nosso discernimento. Quando, de cabeça quente, dizemos o que nos apetece,
ignorando a importância de refletir antes de agir.
É fácil intuir que num gabinete de
psicoterapia se olhe minuciosamente para os erros no comportamento do paciente
– não é um olhar julgador. É um olhar terapêutico. Uma ajuda no reconhecimento
de responsabilidades e de recursos. Porque cada um de nós pode (deve) tentar
aprender com os erros.
E nós erramos quando nos zangamos:
COM A PESSOA ERRADA. Quantas vezes deu
por si a calar-se perante alguém que o intimida, acumulando raiva e frustração,
e acabou por descarregar na pessoa errada? Quantas vezes respondeu de forma
torta ao seu mais-que-tudo só porque não teve a assertividade necessária para
enfrentar o seu chefe? Pode dizer a si mesmo as vezes que quiser que o seu
chefe é alguém de quem você depende e que, se fosse assertivo, colocaria o seu
emprego em risco, blá, blá, blá. Eu consigo ser solidária com o seu medo. Não
posso ser solidária com a sua escolha. Sempre
que descarregar na pessoa errada, coloca essa relação em risco. E não
adianta pedir desculpas – se o erro se repetir indefinidamente, a mágoa e a
sensação de desvalorização impedirão que a outra pessoa consiga desculpá-lo.
NA MEDIDA ERRADA. Você não gosta que o
mais-que-tudo deixe a toalha molhada em cima da cama. E tem o direito de
mostrar o seu desagrado. Mas será preciso perguntar-lhe AOS BERROS se é um
ATRASADO MENTAL INCAPAZ DE ACATAR UMA RECOMENDAÇÃO? Não, não é preciso. E, de
cabeça fria, você também sabe disso. Mas há dias em que você chega a casa
cansado ou está com uma valente dor de cabeça e… age sem pensar. Ou então não.
Você também pode ser alguém que acha que
tem o direito de manifestar o seu desagrado da forma que entender,
sobretudo quando está cansado de se queixar de forma serena. Tenho uma novidade
para si: zangar-se de forma desproporcional ao erro que a outra pessoa cometeu
não só não resolverá o problema como trar-lhe-á outros. Mágoa. Ressentimento.
Afastamento. Divórcio. Fixe estas
palavras. Pode ser que elas o travem da próxima vez que se preparar para
exagerar.
NA HORA ERRADA. Não me canso de
repetir: você tem o direito de se sentir zangado. Tem o direito de manifestar o
seu desagrado e fazer exigências. Disso depende a sua satisfação numa relação.
Mas você compromete tudo se assumir uma postura de tolerância zero e for
insensível ao que a outra pessoa estiver a sentir. Você até pode assumir uma
postura zen e falar com o tom de voz mais calmo do mundo. A sua queixa pode ser
legítima. Mas se você escolher mostrar o seu desagrado num momento em que o seu
cônjuge se sente enervado (porque o Benfica perdeu ou porque acabou de ser
despedido, tanto faz), estará a fazer uma escolha pouco inteligente. Pouco
protetora dos seus interesses e da sua relação. Não faz sentido.
PELOS MOTIVOS ERRADOS. Nem todas as
discussões são aquilo que parecem. E nem sempre é fácil assumirmos – para nós
mesmos – aquilo que sentimos. Se você se sentir enciumado porque a sua parceira
não se cansa de gabar as qualidades do colega novo e permitir que a insegurança
e a raiva tomem conta de si, é possível que se envolva em discussões intensas
sobre… guardanapos ou outro detalhe qualquer. E eu duvido que a sua parceira ou
qualquer outra pessoa deste planeta consiga empatizar consigo numa picardia como
essa. Infelizmente, as discussões intensas a partir de assuntos insignificantes
costumam ser o pão nosso de cada dia nas relações em que uma ou as duas pessoas
não assumam aquilo que realmente as
incomoda. Depois entra-se num ciclo vicioso de que é difícil sair sem ajuda.
DA MANEIRA ERRADA. De que adianta
aprender técnicas de respiração, falar num tom de voz sereno e dispor-se a
abordar os problemas que realmente o incomodam se, na hora H, o fizer de forma
atabalhoada, pouco clara, pouco firme ou excessivamente frontal? Ah pois é!
Assumir um comportamento assertivo é bem mais complexo do que seguir um
conjunto de mandamentos. Implica ser claro e honesto, sim. Mas também implica
que você se coloque na pele da outra
pessoa, que empatize com o que ela estiver a sentir, que respeite a sua
posição e, no final, seja capaz de reivindicar as suas necessidades sem
vacilar. Parece difícil mas, com treino, percebe-se facilmente que é o único
caminho que vale a pena.