Vamos despachar a resposta à pergunta que dá título a este texto: sim, é possível que duas pessoas se amem num dia e noutro possam ser amigas. Só não é possível que isso aconteça literalmente de um dia para o outro. Não seria humano. Não faria sentido. É por isso que querer impor uma amizade logo depois do fim de uma relação amorosa gera quase sempre danos a uma das partes.
Há quem se divorcie emocionalmente do parceiro no decurso da relação. A pessoa vai-se distanciando e, quando dá por si, já não olha para o companheiro de um ponto de vista romântico. A pessoa gosta, claro que gosta. Reconhece que o outro não lhe é indiferente. Mas já não ama. E não é só uma questão de borboletas no estômago. É uma questão de ligação. Ou de quebra de ligação. A pessoa percebe que já não está feliz. Percebe que a estima e o carinho continuam a existir mas reconhece que não são suficientes para sustentar um amor. E quando decide pôr fim à relação amorosa acredita que é possível manter a amizade. Imediatamente. Ignora que o outro não teve tempo para aquela reflexão e que o mais provável é que ainda se sinta ligado em termos românticos. E não se pede a quem ainda ama para ser amigo! Porque a pessoa que ainda ama até pode dizer que sim, que vale a pena manter a amizade. Mas isso não significa que o faça consciente das suas limitações. Quem ama agarra-se a qualquer coisa para se manter ligado. Mesmo que seja "só" uma amizade. Engana-se a si mesmo. Diz que sim a uma relação que já não é o que era porque acredita, lá no fundo, que tudo pode mudar. Porque tem esperança que o outro recue e que da amizade possa ressurgir o amor. Só que os dias passam e não só não há beijos na boca ou outros gestos românticos como a pessoa amada parece cada vez mais distante. E está. Está distante mas segura. Está feliz com o estado da relação. Está tranquila com a mudança. A pessoa que ainda ama compara aquela tranquilidade com a sua própria intranquilidade e apoquenta-se. Irrita-se. Exige. Confronta-se, então, com o inevitável. A amizade que ambicionaram não é compatível com as suas exigências. Pior: as coisas não vão mudar. Ou vão, mas não no sentido desejado. Não vão voltar a existir planos a dois. Nem saídas românticas. Nem beijos apaixonados. Dentro de pouco tempo existirão conversas sobre a pessoa interessante que o ex-companheiro conheceu e com quem aparentemente tem vontade de fazer tudo isso - planos, saídas e beijos. E, se o luto não estiver feito, a exposição a essas conversas pode ser aterradora. Geradora de raiva. Taaaanta raiva. Não faz sentido.
Tudo tem o seu tempo. Para que a rutura
dê lugar à tranquilidade necessária à manutenção de uma amizade é preciso
tempo. Tempo para estar triste. Tempo para lamber as feridas. Tempo para curar
o desamor.