Quem nunca ouviu a frase “O problema não és tu… sou eu” para justificar o fim de uma relação? Você até pode não ter vivido a experiência na primeira pessoa, mas estou certa de que conhece um amigo ou um familiar que não possa dizer o mesmo. Consegue imaginar como é que ele/a se sentiu? E o que é que esta forma “delicada” de pôr fim a uma relação implica? Que a pessoa que é rejeitada sofra menos? Que o fim seja encarado como um intervalo? Ou tanta gentileza acaba por ser geradora de mais mágoa e ressentimento?
Não
é fácil lidar com uma rejeição amorosa.
Ponto
final. Parágrafo.
A pessoa investe, dá tudo de si e, no
mínimo, espera ser correspondida. Espera que a pessoa amada sinta o mesmo
entusiasmo, a mesma ligação, a mesma vontade de lutar pelo “até que a morte os separe”. Mas toda a gente sabe que isso nem
sempre acontece. E se há quem esteja casado há décadas com o namoradinho de
liceu, o mais comum nos dias que correm é que a maior parte dos adultos viva
mais do que uma relação amorosa significativa. Mais: um em cada dois casamentos
acabam em divórcio. Há, por isso, entre solteiros e divorciados, muita gente
disponível para voltar a tentar, para voltar a experimentar, para voltar a
arriscar. E é importante que tenhamos todos a noção de que o amor é isso mesmo:
correr riscos.
Se é verdade que o início das relações
é quase sempre idêntico: muito fogo-de-artifício, muito entusiasmo e uma crença
inabalável de que “é desta”, também deveríamos estar cientes de que um namoro é
um período experimental em que duas pessoas têm a oportunidade de criar uma
ligação sólida… ou não. Entre as diferenças de personalidade, os objetivos de
vida de cada um, as respetivas bagagens emocionais e estilos de vida, não é
surpreendente que, quando as luzes do
início se apaguem, um possa estar mais ligado do que o outro. E às vezes
aquilo que os separa nem sequer é algo concreto ou gerador de grandes
discussões. Quem achar que uma relação só está em risco se houver brigas de
meia-noite está, no mínimo, a leste do que podem ser as vulnerabilidades de uma
relação conjugal.
Quando a pessoa amada deixa de estar
envolta naquele maravilhoso papel de embrulho que é a novidade, isto é, quando
a ativação fisiológica da paixão desaparece, é perfeitamente legítimo que um
dos membros do casal possa deparar-se com a circunstância de já não se sentir
romanticamente envolvido com aquela pessoa. Não foi capaz de se ligar. Isso não significa que o odeie nem
sequer que haja algum tipo de ressentimento. Não há isso e, provavelmente,
também não há o entusiasmo que era suposto existir. Então, a pessoa que já não
ama mas que continua a reconhecer que está envolvida com alguém que até é “uma pessoa impecável”, confronta-se
com um dilema: deve permanecer numa relação que já não a entusiasma? Ou deve
dar voz ao seu distanciamento afetivo e desperdiçar a oportunidade de viver uma
relação “estável” com aquela boa pessoa? E todos nós sabemos que é cada vez
mais difícil encontrar pessoas assim…
As coisas não acontecem sempre da mesma
maneira para todos os casais e, na prática, cada um sabe de si. Há quem se veja
numa situação como esta porque não foi, de facto, capaz de se ligar. E há quem
possa ter acumulado alguns motivos de insatisfação e não tenha sido capaz de os
verbalizar, sabotando qualquer ligação. Em qualquer caso, aquilo que não faz
sentido é que uma pessoa possa manter-se numa relação quando já não está feliz. Porque isso implica, quase de certeza,
que não seja capaz de fazer a outra pessoa feliz. Se já não há amor, por que
haveria de manter o relacionamento? Por pena? Isso nem sequer seria um ato de
dignidade e respeito pela outra pessoa.
Terminar uma relação com a mensagem “Não
és tu, sou eu” pode ser uma forma relativamente enigmática de pôr fim à
ligação. Pode até ser geradora de dúvidas do tipo “Será que é mesmo assim?”, “Ou
será que esta pessoa está a esconder-me alguma coisa?”. Sejamos francos: muitas
vezes esta frase é usada para escamotear uma triste realidade – há uma terceira pessoa. Mas isso só
acontece numa parte dos casos.
Lidar com a rejeição numa situação como
esta implica tanto sofrimento como em qualquer outra forma de acabar uma
relação. Há dor na medida em que o outro membro do casal se sinta ligado. E é
preciso tempo para que o sofrimento passe e a pessoa volte a acreditar no amor.
Mas não é só isso que o tempo traz: ele também permite que, mais cedo ou mais
tarde, a pessoa rejeitada se apazigue com o episódio da rejeição e olhe para
aquela experiência como libertadora. Exatamente. Libertadora. Porque se aquela pessoa não estava envolvida, ao
terminar a relação acabou por libertar a outra de um caminho de infelicidade,
devolvendo-lhe, apesar do sofrimento inicial, a oportunidade de encontrar
alguém capaz de o fazer.