Contas todas as calorias que ingeres. Tu não comes, Joana. Tu ingeres calorias. Sabes de cor o número associado a uma maçã ou ao pacote de bolachas dietéticas que trazes na mala para as emergências. Sabes de cor o número de calorias dos alimentos em que não tocas. Aqueles que toda a gente te implora que consumas. Traidores. Eles conhecem-te bem. Sabem que já foste uma miúda roliça. Conhecem os sacrifícios a que te submeteste para te manteres assim, magra. E, mesmo assim, insistem. Levam-te ao McDonald’s e às rulotes de bifanas. Querem que comas pão e gordura! E não entendem que não podes. Menos ainda entendem a tua escolha quando sabem que adoras comer. Desconhecem a tua luta permanente. Não sabem que aproveitas todos os minutos sozinha para te exercitares. Afinal, tens de queimar todas as calorias que ingeres. Tens de suar muito para que a tua barriga se assemelhe à da modelo da capa de revista. Tu não tens os genes dela. Nem uma equipa de profissionais que trabalhe as tuas fotografias. Tu tens-te a ti. A policiar. A vigiar. A controlar. A maldizer cada falha, cada imperfeição. Até aquelas que só tu vês, que só tu podes ver.
Os outros olham-te de forma distorcida.
Dizem que és inteligente e bonita. Mas tu não te reconheces nessas palavras. Tu
és imperfeita. E precisas de lutar para pareceres melhor. Precisas de beber 10
litros de chá por dia. E de correr maratonas de madrugada. Precisas de passar
horas sem comer, mesmo que isso implique o risco de desmaiares. Precisas de
testar os teus limites.
O cabelo deixou de crescer. A tua pele
está baça e sem vida. O período deixou de aparecer. E tu finges que não vês. Fazes
ouvidos-de-mercador às recomendações médicas. Guardas na gaveta o resultado das
análises que a tua mãe te obrigou a fazer. E segues a tua vida, reivindicando o
direito à privacidade. À individualidade.
Procuras calar o desassossego alheio
com as fotografias que publicas de garfo apontado a mesas fartas e coloridas.
Finges o teu melhor sorriso e engoles, a custo, cada alimento que, sabes, terás
de queimar. Ou deitar fora.
Os dias passam e a tua luta continua.
Precisas permanentemente de te controlar. Para te manteres assim, magra. Tu não
deixaste só de comer, Joana. Deixaste de viver.