“Parece
que estamos sempre a discutir sobre as mesmas coisas”
– esta é uma das frases que mais comummente oiço no meu gabinete. Muitas vezes
o que as pessoas querem dizer é que estão cansadas de cair na mesma ratoeira
vezes sem conta. Não é tanto uma questão de haver apenas um assunto que as
desgaste (às vezes também é isso). Aquilo que as angustia é sobretudo o facto
de já terem sido capazes de abordar alguns problemas de múltiplas formas, terem
sido capazes de chegar a alguns acordos e, apesar disso, continuarem
sistematicamente a cair numa espiral de acusações e amuos.
Eis um exemplo: A Fernanda e o Jorge
queixavam-se de estar sempre a discutir por causa de “assuntos pouco
importantes”, como as tarefas domésticas. Numa dessas discussões, a Fernanda
queixou-se porque o marido “nunca” faz aquilo que ela pede. “Pedi-lhe para
endireitar a colcha da nossa cama, que estava torta, o que fazia com que uma
das pontas estivesse a arrastar pelo chão”. O marido tentou defender-se dizendo
que “a colcha é demasiado grande” para aquela cama e “por isso é que está a
arrastar-se”. Depois de mais uma troca de acusações, o Jorge remeteu-se ao
silêncio. Frustrada pelo silêncio do marido, a Fernanda voltou a insistir no
assunto. Ambos assumem que é “muito difícil estar sempre a discutir”.
Para mim, enquanto terapeuta conjugal,
esta discussão tem pouco a ver com a bendita colcha. Tão pouco identifico aqui
qualquer luta de poder a propósito da lida da casa. Identifico, isso sim,
alguns padrões de comportamento que estão a contribuir para que o casal se
distancie. Há, em discussões como esta,
um ciclo vicioso – para o qual ambos contribuem – que permite que um e o outro
se sintam sós, rejeitados, desamparados.
Todos os casais experimentam esta
sensação de vez em quando. O problema é que, se os episódios forem frequentes,
este ciclo vicioso transforma-se num monstro papão capaz de destruir uma relação
amorosa.
Desfazer este tipo de nós implica em
primeiro lugar assumir que em qualquer discussão é provável que haja emoções mais profundas do que aquelas
que saltam à vista numa primeira análise. No caso da Fernanda, não se tratava
apenas de indignação. Através da terapia ela percebeu que aquilo que
verdadeiramente a perturba é a sensação de que o marido não quer saber do que
ela sente e parece indiferente aos problemas que a família tem enfrentado
(dificuldades financeiras que os colocam em risco de perder a casa onde vivem).
A discussão à volta da colcha, tal como outras que o casal tem tido ultimamente,
é uma tentativa (nem sempre consciente) de o confrontar com assuntos bem mais
importantes e que não estão a ser abordados de forma clara. Por outro lado, o
Jorge percebeu que, quando assume uma postura defensiva e se remete ao silêncio,
fá-lo para fugir às críticas da mulher. Aos seus olhos, ela está sempre zangada
com ele e é como se nada do que ele faça a pudesse agradar. Quando amua, o
Jorge tenta evitar a tristeza que as críticas da mulher lhe causam. Ela sente-se desamparada. Ele sente-se
rejeitado.
Quando os membros do casal começam a
olhar para as suas discussões de outro ponto de vista, aprendendo a reconhecer
os caminhos que os levam a sentirem-se desconetados, também se torna mais fácil
interromper a escalada. É então que cada um dá o seu melhor no sentido de identificar
o que o outro está REALMENTE a sentir e procura cuidar, com carinho e atenção,
dessas emoções. E isso é o que permite que ambos voltem a sentir-se seguros e
unidos.