“És um bêbedo como o teu pai”.
Tau! A Sofia sabia o que estava a dizer. Sabia que estava a tocar na grande
ferida do marido. Sabia que nenhuma outra frase o poderia magoar mais.
Ironicamente, o seu grande objetivo naquela discussão não era ofendê-lo. Muito
menos acusando-o daquilo que não é. Mas se o João não tem qualquer dificuldade
em controlar o que bebe, como é que chegaram a este ponto? Porque é que a Sofia
optou por referir-se àquela que é a maior fragilidade do marido (o alcoolismo
do pai)? Por maldade? Não.
A conversa começara com uma
pergunta aparentemente inofensiva: a Sofia quis saber o que é que o João tinha
feito durante a hora de almoço. O marido contou-lhe com entusiasmo que tinha
conhecido um restaurante novo com alguns membros da equipa. Daqui à fatídica
frase foi um ápice. E a partir daí a troca de insultos cresceu. Estão
habituados a que assim seja:
Mas aquela sessão terapêutica não
terminou em discussão. Demos vários passos no sentido de um e o outro serem
capazes de identificar e dar voz às suas verdadeiras emoções. E, depois disso,
um e o outro foram capazes de dar sinais claros de empatia e união que
devolveram a esperança num futuro mais harmonioso.
Como?
Desafiei a Sofia a identificar de
forma clara aquilo que a fez "ferver". Começou por afirmar que estava
"farta de ser a escrava de serviço que não vai a lado nenhum". E
depois assumiu que se sente "pouco importante". Sente-se triste, tem
medo que o marido a ache desinteressante e deixe de gostar dela. Como não tem
sido capaz de verbalizar as suas emoções, acaba por descontrolar-se,
atacando-o. Precisa de sentir que o marido se preocupa consigo como acontecia
antes de terem filhos. Precisa de continuar a sentir-se especial. A Sofia
cresceu numa família disfuncional, sem estar habituada a que as pessoas mais
próximas fossem capazes de prestar atenção às suas necessidades afetivas. Os
laços que até hoje estabelece com os pais são marcados por gritos, acusações e
amuos. A relação com o João fê-la baixar a guarda. Pela primeira vez houve
alguém que a fez sentir-se amada, importante, especial. Mas ultimamente o
vínculo parece menos forte e a Sofia tem estado dominada pela insegurança.
Na mesma consulta o João começou
por dizer que quando as discussões começam sente-se "atacado, com
raiva". E responde a cada insulto com dois ou três "para a
castigar". Só a custo foi capaz de identificar aquilo que tem sentido:
"uma tristeza profunda. Parece que nada do que eu faço está bem feito. Por
muito que me esforce, há sempre uma crítica, um comentário destrutivo”.
Sente-se desamparado. A pessoa de quem gosta, de quem sempre gostou, não tem
estado “lá” para si. Sente falta dos mimos, do toque, do abraço, das palavras
de incentivo.
Não resolvemos tudo numa
consulta. Mas avançámos no sentido certo. As mudanças têm início quando os
membros do casal se apercebem de que por detrás de cada ciclo vicioso estão
necessidades afetivas que precisam de ser identificadas.