A propósito da minha participação
no programa AGORA NÓS onde voltámos a falar de Alexandra, a menina russa que
vivia com uma família de acolhimento portuguesa e que há seis anos comoveu o
país por ser forçada a viver com a família biológica, lembrei-me de um tema que
nunca abordei aqui: o luto nas famílias
de acolhimento. Como se sabe, estas famílias de coração são quase sempre
lares temporários para crianças em risco que, mais cedo ou mais tarde,
regressam às respetivas famílias ou são encaminhadas para adoção. Aquilo de que
poucas vezes ouvimos falar é do sofrimento por que tantas vezes estas pessoas
passam na altura em que têm de se despedir das crianças de quem cuidaram (e a
quem, inevitavelmente, se ligaram).
A primeira dificuldade que estas
famílias enfrentam é mesmo esta: para quem está de fora, pode parecer estranho
falar-se do luto comparável à perda de física de alguém. Mas é exatamente disso
que se trata porque, seja qual for a duração do acolhimento, é inevitável que
se criem laços que, de um momento para o outro, são desfeitos. Alguns pais e
mães de acolhimento reconhecem que começaram a sofrer logo no dia da chegada da
criança. Porquê? Precisamente por saberem que um dia teriam de dizer adeus.
Essa consciência não os impede de dar todo o amor e a segurança de que as
crianças precisam, pelo que é de altruísmo e afeto verdadeiro que falamos
quando falamos destas pessoas.
A segunda grande dificuldade
associada a este processo diz respeito à impossibilidade de se concluir o luto.
Ao contrário do que acontece aquando da morte de um familiar ou amigo, nestes
casos a pessoa de quem se gosta continua viva… mas deixa de poder haver
contacto. Para algumas destas pessoas é como se tivessem passado pela terrível experiência
de desaparecimento de um filho.
Depois há quem os tente confortar
dizendo coisas como “Mas tu sabias que este dia ia chegar…”. Sim, é verdade que
quem acolhe temporariamente uma criança sabe que o dia da partida pode chegar.
Mas isso não faz com que doa menos! Quando uma criança tem uma doença
incurável, o pai e a mãe também sabem que o dia da despedida chegará… A dor não
é menor. É óbvio que, nestes casos, há a felicidade de saber que a criança está
viva e saudável, apesar de estar longe. Mas até isso por vezes é questionável,
já que o regresso à família biológica pode implicar que a criança volte a estar
exposta a algumas privações ou até às mais diversas formas de violência. Como
pode uma família de acolhimento conformar-se com o afastamento quando tem medo
que o seu filho do coração esteja a passar dificuldades?
Por outro lado, e tal como
acontece no luto “normal”, é importante ter em consideração que os membros do
casal podem viver o seu luto de formas diferentes. É muito frequente que um
queira falar ininterruptamente sobre os seus sentimentos, sobre a sua perda,
enquanto o outro deseje sobretudo que a vida volte à normalidade o mais
depressa possível. Cada um tem direito ao seu ritmo e a lidar com as próprias
emoções à sua maneira. Mais: não se pode dizer que um esteja a sofrer mais do
que o outro. Os mecanismos de defesa é que podem ser diferentes.
O que é verdadeiramente
importante é que os familiares e amigos ofereçam toda a ajuda possível. Estando
lá, mostrando-se disponíveis para ouvir, ouvir e ouvir, mais do que dar
conselhos. E, sobretudo, é fundamental que não tentem desdramatizar uma situação
que, vista de fora, é muito menos dolorosa.