Quando pensamos no que é uma
relação marcada pela violência, imaginamos um homem aos gritos, a ameaçar e a
bater regularmente na mulher ou na namorada. E, involuntariamente,
perguntamo-nos:
“Porque é que ela permite aquele tipo de coisas?”
Como se, de alguma maneira, a
violência doméstica fosse “só” isto e a responsabilidade daquela situação
pudesse ser atribuída, pelo menos de forma parcial, às vítimas. De resto, são
as próprias vítimas que quando finalmente se libertam de relações abusivas
fazem afirmações do tipo “Eu permiti…”.
O que estas afirmações ignoram é
o veneno que quase sempre caracteriza a violência doméstica e que é capaz de
destruir a autoestima de qualquer mulher (e consequentemente a sua capacidade
para sair da relação): a violência emocional.
Na minha experiência clínica
deparo-me infelizmente com muitos destes casos em que o marido (ou namorado)
frequentemente – mas quase nunca em público – aterroriza, critica, pressiona e
culpa a mulher até que ela desista do que quer que, aos olhos dele, não deva
ser feito. Pode ser uma saída com amigas, um serão com a família alargada ou um
jantar com os colegas de trabalho. Este tipo de pressão começa quase sempre de
forma gradual mas vai aumentando até ao ponto de a mulher se sentir quase
sempre forçada a fazer-lhe a vontade. Este terror vai quase sempre ao ponto de
abranger a intimidade sexual.
Por que o fazem? Porque à medida
que a pressão aumenta também crescem os sentimentos de culpa. A mulher está
cada vez mais isolada, cada vez mais entregue aos comentários tóxicos do
companheiro e convence-se mesmo de que ela tem culpa. Estes maridos e namorados
violentos conseguem fazer com que estas mulheres sintam que têm sempre a culpa:
primeiro, são culpadas por fazerem com que eles se chateiem e, mais tarde,
quando a relação termina, elas acham que tiveram culpa porque permitiram os
abusos. Como se as escolhas que elas fizeram ao longo da relação fossem
escolhas livres, voluntárias, e não condicionadas pelo medo que lhes foi imposto.
Estes homens convencem-nas de que
elas são desprezíveis sempre que não cedem às suas exigências. Fazem-no através
de insultos e ameaças, às vezes de forma implícita.
Quando uma mulher começa a ser
vítima de violência, deixa de ser uma participante voluntária da relação. É uma
vítima de bullying que é levada a
fazer escolhas em que não acredita, que nunca imaginou fazer.