É
desejável que ambos se sintam à vontade para partilhar a casa-de-banho? É
saudável que um se sinta à vontade para soltar gases à frente do outro? A
Revista Cristina convidou-me para escrever um texto sobre o assunto.
Não
há duas relações amorosas iguais, da mesma maneira que não há duas pessoas que
funcionem exatamente da mesma maneira. Cada pessoa é um mundo, cheio de
particularidades, de manias e de virtudes. E cada história de amor é única,
especial e tem os seus desafios. Felizmente, hoje sabe-se muito mais do que
alguma vez se soube sobre o amor e sobre o que faz com que uma relação dê
certo. E, da mesma maneira que nenhum psicólogo (sério) ousaria dissociar a
satisfação conjugal da intimidade física e emocional, é importante não confundir
intimidade com desleixo. Há quem diga
que há diferenças entre estar “à vontade” e estar “à vontadinha”. Mas o que é
que isto quer dizer? Os casais mais felizes são aqueles que conseguem
assumir-se tal como são, sem constrangimentos nem amarras.
Isto
não quer dizer que seja fácil conviver (quanto mais aceitar) os defeitos da
pessoa amada. Não há milagres: para amar e ser feliz para sempre é preciso
“escolher” um pacote de defeitos. Viver uma relação feliz e duradoura é
possível. Talvez não seja para toda a gente. Porque dá trabalho. Porque requer
esforço, adaptação, cedências. Implica ter a inteligência emocional para
aceitar que não há pessoas perfeitas e para distinguir entre os defeitos com os
quais seremos capazes de lidar e aqueles aos quais jamais nos adaptaremos. Não
é fácil mas é tremendamente compensador.
Talvez
não seja a afirmação mais sexy ou mais romântica que se possa fazer mas é uma
das conclusões de décadas de investigação associada à análise dos casamentos
felizes e duradouros: a base de uma
relação feliz é a amizade. O fator que mais influencia a satisfação sexual
e o amor romântico é a amizade – tanto nos homens como nas mulheres.
É
absolutamente verdade que uma relação também depende da atração física, da
sedução e da vontade de continuar a surpreender agradavelmente a pessoa que
está ao nosso lado. Mas não nos confundamos: uma coisa é querer seduzir e
agradar, procurando explorar aquilo de que o outro gosta e respeitando aquilo
de que o outro não gosta; outra coisa é defendermo-nos, escondermo-nos,
vivermos com medo de que o nosso companheiro, aquele que escolhemos e em quem
deveríamos confiar, aceda às nossas fragilidades ou ao nosso pior lado.
Se
um homem se apaixonar por uma mulher que, de entre outras qualidades, cuida da
sua imagem e se arranja diariamente, é expectável que lhe agrade a ideia de,
vinte anos depois, poder verificar que ela continua a maquilhar-se, pentear-se
e perfumar-se diariamente. Isso está
longe – muito longe! – de querer dizer que a sua satisfação diminui nos dias em
que ela está adoentada, desmaquilhada e despenteada. Ou que goste menos
dela porque, aos sábados, enquanto trata da sua parte das tarefas domésticas,
circula pela casa de fato-de-treino e cabelo apanhado. Isto é intimidade! É
baixar a guarda. É deixar de viver com o coração aos pulos na ânsia de agradar
ao outro e perceber que, no amor, há espaço para as imperfeições de cada um.
Talvez lhe fizesse muito mais confusão a ideia de a mulher deixar de cuidar de
si depois de algum tempo de relação. Mas isso tem outro nome: desleixo. Tomar a
relação como garantida.
Para
a esmagadora maioria das pessoas talvez não faça sentido expor um novo namorado
aos sons e odores associados a uma visita à casa de banho. No início do namoro
é até expectável que alguém opte por evitar comidas de que goste com medo da
flatulência. E que uma cólica intestinal equivalha a uma crise de ansiedade.
Com a passagem do tempo e com a consequente intimidade emocional crescente, é
expectável que cada um conheça profundamente a forma como o outro se sente e
que, como em quase tudo na vida a dois, se passe a fazer escolhas que traduzam
esse conhecimento.
Sejamos claros e honestos: nem todas
as pessoas se sentem à vontade com a ideia de partilharem o espaço da casa de
banho nas alturas em que tenham de fazer as suas necessidades. Mas
isso também não significa que uma pessoa que prefira fazê-lo sozinha se
escandalize quando o mais-que-tudo, sem querer, solta um gás. Imaginemos que há
um episódio em que o namorado solta um gás e a namorada ri da situação e tenta
confortá-lo dizendo-lhe que é uma situação natural. Pode acontecer que ele se
sinta tão à vontade que passe a escolher fazê-lo a toda a hora. Se ela se
sentir incomodada, é importante que se queixe, explicando como é que se sente
nesta situação.
Assim,
é fácil cair-se em círculos viciosos, em que um continua a errar sem saber – no
sentido de desconhecer que está a incomodar o outro.
Algumas
pessoas cometem o erro de passar da hipervigilância - a ansiedade inicial
característica de quase todos os relacionamentos e que faz com que tentemos
mascarar os nossos defeitos e procuremos corresponder a todas as expectativas
do mais-que-tudo – ao desmazelo. Amar e
manter uma relação feliz é prestar atenção ao que o outro sente. É assumir
que não se pode agradar sempre mas é fazer o que estiver ao nosso alcance para
continuar a fazer a pessoa que está ao nosso lado feliz. É baixar a guarda,
sim. Mas não é – não pode ser – tomar a outra pessoa como garantida e passarmos
a borrifar-nos para o que ela sente.