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6.1.16

ATÉ ONDE DEVE IR A INTIMIDADE DE UM CASAL?


É desejável que ambos se sintam à vontade para partilhar a casa-de-banho? É saudável que um se sinta à vontade para soltar gases à frente do outro? A Revista Cristina convidou-me para escrever um texto sobre o assunto.

Não há duas relações amorosas iguais, da mesma maneira que não há duas pessoas que funcionem exatamente da mesma maneira. Cada pessoa é um mundo, cheio de particularidades, de manias e de virtudes. E cada história de amor é única, especial e tem os seus desafios. Felizmente, hoje sabe-se muito mais do que alguma vez se soube sobre o amor e sobre o que faz com que uma relação dê certo. E, da mesma maneira que nenhum psicólogo (sério) ousaria dissociar a satisfação conjugal da intimidade física e emocional, é importante não confundir intimidade com desleixo. Há quem diga que há diferenças entre estar “à vontade” e estar “à vontadinha”. Mas o que é que isto quer dizer? Os casais mais felizes são aqueles que conseguem assumir-se tal como são, sem constrangimentos nem amarras.


Isto não quer dizer que seja fácil conviver (quanto mais aceitar) os defeitos da pessoa amada. Não há milagres: para amar e ser feliz para sempre é preciso “escolher” um pacote de defeitos. Viver uma relação feliz e duradoura é possível. Talvez não seja para toda a gente. Porque dá trabalho. Porque requer esforço, adaptação, cedências. Implica ter a inteligência emocional para aceitar que não há pessoas perfeitas e para distinguir entre os defeitos com os quais seremos capazes de lidar e aqueles aos quais jamais nos adaptaremos. Não é fácil mas é tremendamente compensador.



Talvez não seja a afirmação mais sexy ou mais romântica que se possa fazer mas é uma das conclusões de décadas de investigação associada à análise dos casamentos felizes e duradouros: a base de uma relação feliz é a amizade. O fator que mais influencia a satisfação sexual e o amor romântico é a amizade – tanto nos homens como nas mulheres.


É absolutamente verdade que uma relação também depende da atração física, da sedução e da vontade de continuar a surpreender agradavelmente a pessoa que está ao nosso lado. Mas não nos confundamos: uma coisa é querer seduzir e agradar, procurando explorar aquilo de que o outro gosta e respeitando aquilo de que o outro não gosta; outra coisa é defendermo-nos, escondermo-nos, vivermos com medo de que o nosso companheiro, aquele que escolhemos e em quem deveríamos confiar, aceda às nossas fragilidades ou ao nosso pior lado.

Se um homem se apaixonar por uma mulher que, de entre outras qualidades, cuida da sua imagem e se arranja diariamente, é expectável que lhe agrade a ideia de, vinte anos depois, poder verificar que ela continua a maquilhar-se, pentear-se e perfumar-se diariamente. Isso está longe – muito longe! – de querer dizer que a sua satisfação diminui nos dias em que ela está adoentada, desmaquilhada e despenteada. Ou que goste menos dela porque, aos sábados, enquanto trata da sua parte das tarefas domésticas, circula pela casa de fato-de-treino e cabelo apanhado. Isto é intimidade! É baixar a guarda. É deixar de viver com o coração aos pulos na ânsia de agradar ao outro e perceber que, no amor, há espaço para as imperfeições de cada um. Talvez lhe fizesse muito mais confusão a ideia de a mulher deixar de cuidar de si depois de algum tempo de relação. Mas isso tem outro nome: desleixo. Tomar a relação como garantida.



Para a esmagadora maioria das pessoas talvez não faça sentido expor um novo namorado aos sons e odores associados a uma visita à casa de banho. No início do namoro é até expectável que alguém opte por evitar comidas de que goste com medo da flatulência. E que uma cólica intestinal equivalha a uma crise de ansiedade. Com a passagem do tempo e com a consequente intimidade emocional crescente, é expectável que cada um conheça profundamente a forma como o outro se sente e que, como em quase tudo na vida a dois, se passe a fazer escolhas que traduzam esse conhecimento.



Sejamos claros e honestos: nem todas as pessoas se sentem à vontade com a ideia de partilharem o espaço da casa de banho nas alturas em que tenham de fazer as suas necessidades. Mas isso também não significa que uma pessoa que prefira fazê-lo sozinha se escandalize quando o mais-que-tudo, sem querer, solta um gás. Imaginemos que há um episódio em que o namorado solta um gás e a namorada ri da situação e tenta confortá-lo dizendo-lhe que é uma situação natural. Pode acontecer que ele se sinta tão à vontade que passe a escolher fazê-lo a toda a hora. Se ela se sentir incomodada, é importante que se queixe, explicando como é que se sente nesta situação.

Assim, é fácil cair-se em círculos viciosos, em que um continua a errar sem saber – no sentido de desconhecer que está a incomodar o outro.

Algumas pessoas cometem o erro de passar da hipervigilância - a ansiedade inicial característica de quase todos os relacionamentos e que faz com que tentemos mascarar os nossos defeitos e procuremos corresponder a todas as expectativas do mais-que-tudo – ao desmazelo. Amar e manter uma relação feliz é prestar atenção ao que o outro sente. É assumir que não se pode agradar sempre mas é fazer o que estiver ao nosso alcance para continuar a fazer a pessoa que está ao nosso lado feliz. É baixar a guarda, sim. Mas não é – não pode ser – tomar a outra pessoa como garantida e passarmos a borrifar-nos para o que ela sente.

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