Somos um país de bebedores
excessivos. E com muitos alcoólicos. Estima-se que cerca de 10% dos portugueses
sejam consumidores excessivos de álcool. Quantas famílias convivem diariamente
com este inimigo? Quantas crianças? E o que é que lhes acontece ao longo do seu
desenvolvimento? Que tipo de adultos estaremos a formar? Receberão o apoio a
que têm direito?
Recebo muitos e-mails de filhos
de alcoólicos – quase sempre desesperados, sem saber a quem recorrer. Aqueles
que chegam ao meu consultório fazem-no normalmente muitos anos depois dos
episódios traumáticos por que passaram. Os pedidos de ajuda estão relacionados
com sintomas de depressão, isolamento, falta de autoestima, episódios de pânico
e violência. Só depois de alguma exploração chegamos à origem dos problemas.
Estes adultos emocionalmente
instáveis foram crianças cuja infância foi literalmente roubada. Habituaram-se
a defender-se como podiam das explosões de violência, assistiram a cenas de
pancadaria, viajaram de carro aos ziguezagues e com o coração aos pulos, foram
vítimas de violência emocional e humilhações públicas, cresceram sob os olhares
reprovadores dos vizinhos e viveram cada festividade como mais uma hipótese de
crise. Como é que podemos esperar que sejam cônjuges ou progenitores felizes?
Estas são algumas das
características dos adultos filhos de alcoólicos:
Ansiedade elevada. É como se a pessoa estivesse permanentemente num
estado de vigilância máxima, sempre atenta perante a possibilidade de algo
correr mal e/ou de alguém poder transformar-se numa pessoa perigosa.
Dificuldade em confiar. Nas relações amorosas podem sentir maior
dificuldade em entregar-se mas muitas vezes essas também podem transformar-se
em relações de dependência excessiva.
Violência emocional. Precisamente porque muitos destes adultos
foram crianças vítimas e/ou expostas a inúmeras formas de violência, estão mais
vulneráveis a relações amorosas marcadas pela violência emocional.
Depressão. Há quase sempre muitas feridas por sarar. Há a tristeza
e o luto associados à inexistência de uma família “normal” mas também em
relação à perda física dos familiares (que tantas vezes têm doenças físicas
associadas ao consumo abusivo de álcool), à perda de confiança, à inexistência
de rituais como festas de aniversário ou férias em família.
Vergonha. A vergonha associada à exposição do alcoolismo ao longo
da vida da criança e/ou adolescente transforma-se muitas vezes em sentimentos
de inadequação e de inferioridade. É como se a pessoa olhasse para si mesma com
muito menos valor do que realmente tem e tivesse um medo constante do que os
outros possam pensar.
Sentimentos de culpa. Não raras vezes estes são adultos que não
sabem lidar com a própria felicidade. Não conseguem estar felizes por saberem
que os pais tiveram ou têm vidas mais miseráveis ou degradantes. Estes
sentimentos acabam quase sempre por condicionar as relações amorosas.
Excessiva responsabilidade. Como cresceram em ambientes familiares
em que as responsabilidades familiares nem sempre estavam asseguradas, estas
crianças e adolescentes aprendem muito cedo a chamar a si responsabilidades que
não deveriam ser suas. Na idade adulta estão muitas vezes envolvidos nos
assuntos de toda a família, habituados a apagar todos os fogos.
Comportamentos de risco. A adrenalina associada a estes ambientes
familiares pode transformar-se num padrão viciante. Estes adultos muitas vezes
procuram-na trabalhando excessivamente, assumindo padrões de condução
perigosos, consumindo substâncias, envolvendo-se em zaragatas ou gastos
excessivos.
Quando alguém pede ajuda
psicológica, de uma maneira geral, fá-lo para dar resposta àquilo por que está
a passar naquele momento – seja porque se sente ansioso, deprimido ou em risco
de divórcio. Muitas vezes, é só em contexto terapêutico que o adulto se dá
conta de que aquilo por que está a passar está relacionado com os traumas
associados ao alcoolismo dos progenitores.