Podiam estar vários dias sem falar e os motivos nem sempre eram óbvios. Às vezes era algo que João dizia e de que Mariana não gostava que a levava a fechar-se na sua concha. Outras vezes era um pedido que ficava por atender e a mágoa que sentia levava-a a “retirar-se”. Fisicamente continuava lá, muitas vezes respondendo ao essencial, mantendo a cordialidade. Do ponto de vista dos afetos a mudança era radical - «Como se fosse outra pessoa», afirmava João. Sentia-se castigado, desprezado e cada vez mais frágil. Com a passagem do tempo e as infrutíferas tentativas de reaproximação, a situação piorou. «A páginas tantas, eram mais as vezes em que eu desconhecia os motivos do amuo. Podia ser qualquer coisa. Bastava que eu me desviasse do que a minha mulher tinha pensado. Além disso, a duração do silêncio podia ser de semanas».
É difícil imaginar que haja
casais que possam estar semanas sem falar mas esta é a realidade de muitas
pessoas com quem tenho trabalhado. O tratamento do silêncio é uma forma de
abuso emocional que tem como objetivo impor a própria vontade. De resto, é
quase sempre assim quando falamos de violência emocional: a pessoa que pratica
os abusos (e que até pode estar convencida de que não há violência nos seus
atos) procura controlar o comportamento do companheiro desrespeitando-o.
Não é por acaso que se ouve dizer que uma
relação feliz também é feita de desencontros e cedências. Quando a pessoa de
quem gostamos nos magoa, tem uma perspetiva muito diferente da nossa ou pura e
simplesmente não faz aquilo que esperávamos é normal que nos sintamos
frustrados. Momentaneamente temos o direito de sentir raiva e pode ser prudente
dizer «Preciso de um tempo sozinho(a)». De uma maneira geral, falo de uns 30
minutos até que a pessoa seja capaz de se acalmar e esteja disponível para
conversar. Quando isto acontece, aquilo que a pessoa mostra é:
«Estou triste/ magoado(a) contigo mas quero perceber aquilo que sentes
e quero que saibas o que eu sinto».
Está demasiado centrada nas suas
necessidades e utiliza a retirada dos gestos de afeto para castigar e impor a
sua vontade. Muitas vezes o amuo só desaparece depois de a sua vontade ser
satisfeita. E, mesmo assim, pode levar algum tempo até que a normalidade seja
resposta. O que importa é passar a mensagem:
«Se te desvias daquilo que eu espero de ti, castigo-te».
Se é alvo desta forma de abuso
emocional, saiba o que deve fazer:
- Tome consciência de que se trata de uma forma de desrespeito e NÃO tente uma reaproximação.
- Saia de cena. Mostre de forma clara que não vai ficar “ali” durante o castigo.
- Foque-se em qualquer atividade que lhe dê prazer e/ou permita que se distraia do foco de tensão. Vá ao cinema, faça desporto, saia com amigos.
- Quando o seu companheiro quiser voltar ao assunto que motivou o amuo, sinalize esta forma de abuso. Diga de forma clara «Não vou permitir que me desrespeites desta forma».
- Foque-se na sua recuperação. O abuso emocional deixa marcas profundas na autoestima. Procure ajuda especializada e obtenha ferramentas para identificar e dar resposta a todas as formas de abuso de que possa estar a ser alvo.
O tratamento do silêncio, bem como outras formas de violência emocional, não existe apenas nas relações amorosas. Muitas vezes está presente na relação entre pais e filhos, entre amigos ou em contexto profissional. Por se tratar tantas vezes de exercícios subtis de manipulação, pode ser difícil para a pessoa que esteja a ser alvo de abuso emocional identificar o problema. A ajuda psicoterapêutica é uma forma sólida de ganhar poder sobre a própria vida, impondo limites e resgatando a possibilidade de ser feliz.