Não é novidade para ninguém que
há um número muito significativo de casamentos que acabam em divórcio. Muitos
desses casamentos terminam ao fim de meia dúzia de anos, sobretudo quando os
membros do casal não conseguem adaptar-se a mudanças significativas, como o
nascimento do primeiro filho. É muito comum que duas pessoas comecem a
distanciar-se na sequência deste marco e que se sintam dominadas por discussões
intensas sobre tarefas domésticas, diferenças na forma como cada um perspetiva
a educação dos filhos ou a gestão financeira. À medida que os membros do casal
ultrapassam juntos as dificuldades, é mais provável que a passagem dos anos
equivalha a uma subida dos níveis de satisfação conjugal. É comum que duas
pessoas se redescubram à medida que os filhos se autonomizam.
De uma maneira geral, é mais difícil compreender por que é que um casal que tenha passado décadas junto escolha, a determinada altura, separar-se.
Estas são as razões mais comuns:
CRESCERAM EM SENTIDOS OPOSTOS
As discussões nem sempre são
sinal de alarme. Quando um casal discute, cada um expõe aquilo que sente e
aquilo de que precisa para se sentir (mais) feliz e a intimidade cresce. Quando pelo menos um dos membros do casal
desiste de se queixar, isso nem sempre quer dizer que esteja tudo bem.
Conheço vários casos em que os membros do casal se foram distanciando e fazendo
percursos pessoais interessantes mas não partilhados. É como se a determinada
altura tivessem deixado de sonhar a dois. Cada um vai à procura dos seus
sonhos, dos seus interesses, dos seus projetos mas sem o amparo, as cedências e
a cumplicidade do amor romântico. Para quem está de fora pode parecer que está
tudo bem. Afinal, não há discussões e a dinâmica “funciona”. Mas há uma altura
em que pelo menos um dos membros do casal deixa de se identificar com aquele
projeto de vida e decide recomeçar do zero.
SENTEM-SE SOZINHOS
A solidão dentro do casamento é
terrível. Ninguém está à espera de se sentir só, desamparado numa relação. Mas
é exatamente isso que acontece quando a pessoa que está ao nosso lado revela
pouco ou nenhum interesse pelas nossas emoções. Para algumas pessoas o
casamento é para a vida toda, sem que isso implique esforços ou atenção
especial às necessidades do companheiro. É como se o juramento feito no altar
(ou noutro sítio qualquer) equivalesse a um certificado de segurança da
relação.
Se não o fizermos, aquela pessoa
até pode entreter-se durante anos com as obrigações associadas a outras áreas
da vida – o trabalho, os filhos, a vida académica – mas a solidão tende a
transformar-se num peso insuportável e a rutura pode surgir como caminho para uma
vida mais feliz.
OS FILHOS SAIRAM DE CASA
(OU ESTÃO PRESTES A FAZÊ-LO)
(Ainda) Há quem faça a escolha de
se manter num casamento infeliz para evitar o sofrimento dos filhos. Primeiro,
porque são crianças pequenas que, aos seus olhos, poderiam não conseguir
adaptar-se ao “trauma” do divórcio; depois porque a adolescência é um período
suficientemente tumultuoso e impactante. Ou pura e simplesmente porque a pessoa
que está insatisfeita não consegue lidar com a possibilidade de partilhar a
guarda dos filhos. Mas à medida que os filhos se autonomizam e dependem menos
das escolhas dos pais, sobra tempo e disponibilidade para olhar para as
próprias necessidades. Vivemos cada vez
mais tempo e é natural que nos perguntemos «É assim que quero viver mais 30 ou
40 anos?», «Isto é tudo o que há para mim?». O facto de haver tantos
divórcios e famílias reconstituídas à nossa volta faz com que muitas pessoas
olhem para o divórcio como uma possibilidade de voltar a sonhar.
O FIM DA VIOLÊNCIA
São cada vez mais comuns os
pedidos de ajuda que recebo de pessoas – mais mulheres do que homens – que foram
vítimas de violência (sobretudo emocional) continuada e que a determinada
altura decidem dizer «Basta!». Não é mesmo nada fácil identificar todas as
formas que o abuso emocional pode tomar e é ainda mais difícil romper com estes
padrões de relacionamento. De uma maneira geral, a autoestima da pessoa que é vítima de abusos está demasiado
fragilizada e é precisamente essa fragilidade que “permite” que a relação dure
tantos anos. A divulgação de informação sobre o tema, o crescimento dos
filhos e o seu olhar sobre esta realidade tendem a ajudar a vítima a romper com
o círculo vicioso.
Ao contrário do que acontece com
os jovens casais que se separam, em que as discussões fazem com que a raiva
seja o sentimento predominante, nestes casos tende a haver muito mais tristeza
e até frieza. De uma maneira geral, não há um acontecimento repentino que dê
azo ao divórcio – exceto nas situações em que há uma relação extraconjugal. Há,
isso sim, um distanciamento que se agudizou com a passagem dos anos e que
transforma quase sempre duas pessoas que um dia estiveram apaixonadas em dois
estranhos. Os gestos de afeto desapareceram há muito, muito tempo e é frequente
ouvi-los referirem-se mutuamente como blocos de gelo.
Como são quase sempre pessoas que estão física e mentalmente ativas, a rutura é, apesar da inevitável sensação de fracasso, um passo para voltar a ser feliz. É quase sempre com essa esperança e com essa motivação que estas pessoas dão este passo. Claro que a decisão apanha muitas vezes o companheiro de surpresa e pode ser geradora de algum desespero. Felizmente, todas as ruturas abrem espaço para novos recomeços e cada pessoa vai sempre a tempo de ser mais feliz. Às vezes demora um bocadinho, às vezes é preciso pedir ajuda.