Acreditarmos que a traição é um sinal de que alguma
coisa não estava bem na relação também é uma forma de nos tranquilizarmos.
Afinal, manter uma relação feliz nos dias de hoje já é um desafio e tanto.
Damos por nós a prestar cada vez mais atenção às necessidades da pessoa de quem
gostamos mas também a desenvolver a nossa própria assertividade para garantir
que construamos relações francas, baseadas na genuína vontade de sermos felizes
até velhinhos. Programamos a nossa vida de maneira a que nela caibam todos os
sonhos – os nossos e os da pessoa que amamos. E procuramos identificar
potenciais problemas, evitando que eles se transformem em lacunas irreparáveis.
Fazemos o que está ao nosso alcance para fugir às estatísticas que nos dizem
que por cada dez casamentos que ocorram há 7 divórcios ou que uma percentagem
assustadora de pessoas vão passar pela experiência de uma infidelidade.
Mas
será que todos estes esforços nos
garantem
imunidade contra a infidelidade?
Tenho dito muitas vezes que os fatores que favorecem o
aparecimento de uma terceira pessoa são exatamente os mesmos que habitualmente
levam um casal à rutura. Na prática, é muito mais provável que escolhamos
envolver-nos numa relação extraconjugal se os nossos sentimentos e as nossas
necessidades afetivas estiverem a ser ignorados pelo nosso companheiro. O que
acontece na maioria das vezes é que a insatisfação conjugal não é alvo de
atenção e muito menos de conversas profundas e diárias. Há pessoas que se
sentem incrivelmente sós dentro do casamento mas que não param para reparar
nisso. Podem passar anos até que “acordem”. Às vezes acordam porque entretanto
apareceu alguém que mexeu com elas, que as fez sentir coisas que já não sentiam
há muito tempo. Que as fez voltar a sentir-se vivas.
E é esta sensação que resume (quase tudo). Nem todas
as pessoas que passam pelo meu gabinete depois de terem traído o companheiro me
dizem que voltaram a apaixonar-se. São poucas as que equacionaram terminar o
casamento para viver com a outra pessoa.
Há muitas pessoas que me pedem ajuda para salvar a
relação depois de terem sido infiéis e que me garantem que se sentiam felizes
até ao aparecimento de uma terceira pessoa. Não estavam à procura de nada, não
tinham problemas que fossem geradores de grande aflição nem que as pudesse
levar a equacionar fazer aquela escolha. E, de repente, é como se fossem
apanhadas desprevenidas por sentimentos com que não contavam.
Por
que o fazem?
Por
que é que escolhem pisar o risco e deitar tudo a perder?
O
que é que leva alguém que ama o companheiro a fazer uma escolha que sabe que o
magoará como nenhuma outra?
A resposta tem menos a ver com o companheiro e tem
mais a ver com aquilo que a própria pessoa já não sente há algum tempo.
A maior parte das pessoas que traíram assumem que a
novidade, a intensidade emocional e sexual e a liberdade associadas à relação
extraconjugal funcionou como um terremoto, capaz de abalar os próprios valores.
Sim, a maior parte destas pessoas sempre defenderam a fidelidade e acreditaram
que seriam sempre fieis.
O desejo intenso associado a uma nova paixão move
montanhas. E, ainda que muitas pessoas não estejam à procura disso, o facto de
estarem há muito tempo numa relação segura mas sem segredos, sem mistério ou
novidade fez com que, sem darem por isso, passassem a sentir-se adormecidas.
Seguras, felizes mas adormecidas.
A maior parte das pessoas que conheço – dentro e fora
do consultório – não querem sentir-se em permanente alvoroço. Quase todas as
pessoas procuram uma relação estável, que as faça sentir-se “em casa”, que lhes
garanta a segurança emocional e a vontade de que seja «para sempre». Mas, ao
mesmo tempo, desejam sentir-se vivas, desejam que o desejo seja intenso e isso
está intrinsecamente associado à novidade.
Manter uma relação à prova de traições nunca foi tão difícil como hoje. Afinal, não basta sentirmo-nos felizes e garantirmos a segurança emocional da pessoa que amamos. É preciso combinar, em doses certas, intimidade emocional e mistério, segurança e novidade, revelação mútua e curiosidade.