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15.11.17

OS CASAIS FELIZES TAMBÉM TRAEM


Acreditarmos que a traição é um sinal de que alguma coisa não estava bem na relação também é uma forma de nos tranquilizarmos. Afinal, manter uma relação feliz nos dias de hoje já é um desafio e tanto. Damos por nós a prestar cada vez mais atenção às necessidades da pessoa de quem gostamos mas também a desenvolver a nossa própria assertividade para garantir que construamos relações francas, baseadas na genuína vontade de sermos felizes até velhinhos. Programamos a nossa vida de maneira a que nela caibam todos os sonhos – os nossos e os da pessoa que amamos. E procuramos identificar potenciais problemas, evitando que eles se transformem em lacunas irreparáveis. Fazemos o que está ao nosso alcance para fugir às estatísticas que nos dizem que por cada dez casamentos que ocorram há 7 divórcios ou que uma percentagem assustadora de pessoas vão passar pela experiência de uma infidelidade.

Mas será que todos estes esforços nos
garantem imunidade contra a infidelidade?

Tenho dito muitas vezes que os fatores que favorecem o aparecimento de uma terceira pessoa são exatamente os mesmos que habitualmente levam um casal à rutura. Na prática, é muito mais provável que escolhamos envolver-nos numa relação extraconjugal se os nossos sentimentos e as nossas necessidades afetivas estiverem a ser ignorados pelo nosso companheiro. O que acontece na maioria das vezes é que a insatisfação conjugal não é alvo de atenção e muito menos de conversas profundas e diárias. Há pessoas que se sentem incrivelmente sós dentro do casamento mas que não param para reparar nisso. Podem passar anos até que “acordem”. Às vezes acordam porque entretanto apareceu alguém que mexeu com elas, que as fez sentir coisas que já não sentiam há muito tempo. Que as fez voltar a sentir-se vivas.

E é esta sensação que resume (quase tudo). Nem todas as pessoas que passam pelo meu gabinete depois de terem traído o companheiro me dizem que voltaram a apaixonar-se. São poucas as que equacionaram terminar o casamento para viver com a outra pessoa.



Há muitas pessoas que me pedem ajuda para salvar a relação depois de terem sido infiéis e que me garantem que se sentiam felizes até ao aparecimento de uma terceira pessoa. Não estavam à procura de nada, não tinham problemas que fossem geradores de grande aflição nem que as pudesse levar a equacionar fazer aquela escolha. E, de repente, é como se fossem apanhadas desprevenidas por sentimentos com que não contavam.

Por que o fazem?
Por que é que escolhem pisar o risco e deitar tudo a perder?
O que é que leva alguém que ama o companheiro a fazer uma escolha que sabe que o magoará como nenhuma outra?

A resposta tem menos a ver com o companheiro e tem mais a ver com aquilo que a própria pessoa já não sente há algum tempo.

A maior parte das pessoas que traíram assumem que a novidade, a intensidade emocional e sexual e a liberdade associadas à relação extraconjugal funcionou como um terremoto, capaz de abalar os próprios valores. Sim, a maior parte destas pessoas sempre defenderam a fidelidade e acreditaram que seriam sempre fieis.



O desejo intenso associado a uma nova paixão move montanhas. E, ainda que muitas pessoas não estejam à procura disso, o facto de estarem há muito tempo numa relação segura mas sem segredos, sem mistério ou novidade fez com que, sem darem por isso, passassem a sentir-se adormecidas. Seguras, felizes mas adormecidas.

Para algumas pessoas este adormecimento só se faz notar porque houve um acontecimento marcante, normalmente uma perda ou a antecipação de uma perda, que as fez questionar «É só isto que a vida tem para me dar? Ou há mais alguma coisa?». Foi assim com a Inês, que se envolveu com um colega de trabalho pouco tempo depois da morte do pai. Foi assim com o João, que traiu a mulher quando o melhor amigo adoeceu. Foi assim com o Pedro, que foi infiel depois de anos a lutar contra a infertilidade.

A maior parte das pessoas que conheço – dentro e fora do consultório – não querem sentir-se em permanente alvoroço. Quase todas as pessoas procuram uma relação estável, que as faça sentir-se “em casa”, que lhes garanta a segurança emocional e a vontade de que seja «para sempre». Mas, ao mesmo tempo, desejam sentir-se vivas, desejam que o desejo seja intenso e isso está intrinsecamente associado à novidade.


Manter uma relação à prova de traições nunca foi tão difícil como hoje. Afinal, não basta sentirmo-nos felizes e garantirmos a segurança emocional da pessoa que amamos. É preciso combinar, em doses certas, intimidade emocional e mistério, segurança e novidade, revelação mútua e curiosidade. 

Terapia Familiar e de Casal em Lisboa