A ideia pode parecer ultrapassada mas há muito boa
gente que continua a considerar a hipótese de ter um filho com o objetivo de
salvar a relação. Há pessoas que nunca quiseram ter filhos e que resolvem dar
este passo só para agradar ao companheiro. Há quem seja confrontado com a
iminência de uma rutura e tome a decisão de engravidar para segurar o
companheiro. E há quem sinta que esta é uma boa alternativa para acordar uma
relação adormecida.
Não há dúvidas de que um filho é um compromisso
GIGANTESCO. Mas será que funciona como salvador de uma relação? Pode um bebé
estreitar os laços entre duas pessoas que se sintam desconectadas?
DEPENDE
Conheço vários casais que se sentiram mais próximos na
sequência de uma gravidez. Quando ambos desejam ser pais, mesmo que não se
trate de uma gravidez planeada, este é um passo que pode fazer com que se
sintam mais ligados. Há um propósito, um bem maior, a que está associada grande
satisfação, que os faz lutar, a dois, contra todos os obstáculos. As consultas
e ecografias são vividas a dois, as conversas são mais interessantes e, de uma
maneira geral, isso também se traduz nos gestos de afeto e na intimidade
física. Há um projeto e há romance.
MAS…
Não haja dúvidas de que o nascimento de um bebé está
quase sempre associado à elevação dos níveis de stress. Há vários estudos que o
demonstram. Mais de metade dos casais mostram-se mais insatisfeitos com a sua
relação nos primeiros meses a seguir ao nascimento de um filho. A maioria
aponta este período como uma altura em que há muito mais discussões,
irritabilidade e desconexão.
Ter (mais) um filho implica mais despesas e, por isso,
ter de abdicar de alguns luxos que considerávamos essenciais. Implica ter de
cumprir horários rígidos para alimentar e cuidar de alguém que depende
totalmente de nós e, por isso, não poder sair de forma livre e despreocupada
como antigamente. Na maioria dos casos implica vários meses com noites mal
dormidas, muito choro e isso pode dar cabo da paciência de qualquer um. É
frequente que um se queixe de ausência de carinho e gestos românticos e o outro
se queixe de cansaço e falta de ajuda. É natural que ambos lamentem o facto de
não haver tempo para nada. E é possível que, pelo menos nos primeiros tempos, o
desespero suplante largamente as expectativas.
Costumo dizer que a
chegada de um bebé é como um terremoto porque as mudanças são tantas e tão
intensas que são capazes de abalar a estrutura de uma relação. É evidente que à
medida que os membros do casal se sentem mais seguros no papel de pais e,
sobretudo, à medida que a criança vai adquirindo hábitos que os libertem dos
sonos entrecortados, a ligação que se cria, quer entre os pais e o bebé, quer
entre marido e mulher, torna-se cada vez mais forte e geradora de bem-estar.
Mas é ainda mais difícil construir uma relação feliz e
duradoura quando aos problemas que já existiam se junta a turbulência dos
primeiros meses de vida de uma criança. Se havia desconexão e a sensação de
desamparo, a falta de tempo para namorar, conversar serenamente ou pura e
simplesmente divertir-se a dois acrescenta tensão e solidão.
Pelo meu gabinete passam diariamente casais cujo
afastamento começou precisamente com a chegada de um filho – porque as mudanças,
embora fossem antecipáveis, acabaram por engolir o romantismo e a ligação.
Alguns destes casais sentiam-se muito satisfeitos antes da gravidez e, ainda
assim, foram-se afastando depois do nascimento dos filhos.
Quando alguém escolhe ter um filho para salvar uma
relação com problemas está, sobretudo, a colocar sobre o relacionamento ainda
mais dificuldades, transformando o desafio de recuperar a ligação numa luta
hercúlea e desgastante.