Entrevista concedida à revista Notícias Magazine.
Quando um casal se separa (seja o intuito uma separação definitiva ou um ‘dar um tempo’) e, posteriormente, decide voltar a dar uma segunda hipótese à relação, o que é que tem de ter em conta para que as coisas resultem?
Aquilo que faz com que alguém queira dar uma segunda hipótese à relação são quase sempre os sentimentos. Não é porque a pessoa de quem gostamos errou ou traiu a nossa confiança que deixamos de gostar dela. Para muitas pessoas, há problemas que se vão tornando insuportáveis e isso fá-las avançar para uma rutura. Quando a tristeza e, sobretudo, a raiva, ganham grandes proporções, a rutura pode parecer inevitável. Com a separação vem quase sempre a diminuição da raiva e isso pode fazer com que o afeto, que ainda existe, sobressaia. Muitas vezes é tentador recomeçar “do zero”, como se não tivesse havido problemas. Converso com muitos casais que me dizem que tentaram fazê-lo, sem sucesso. A verdade é que, de uma maneira geral, o que quer que tenha estado na origem da rutura precisará de ser alvo da atenção do casal para que a relação possa dar certo. Não basta reconhecer que ainda há amor. A vontade de ser feliz a dois não chega quando há problemas que ficaram por resolver.
É legítimo que um casal queira evitar discussões e dê o seu melhor para aproveitar esta segunda oportunidade para ser feliz. Mas o que é que acontece quando não prestamos atenção às nossas mágoas? Elas aparecem, com toda a sua força, e tomam conta de nós.
Se um dos membros do casal traiu a confiança do outro, vai ser preciso tempo e, sobretudo, muitos esforços, para que essa confiança seja resgatada. Ignorar estas necessidades e tentar simplesmente passar uma borracha sobre o passado é quase sempre meio caminho para o insucesso e, portanto, para uma nova rutura.
Se havia comportamentos de um dos membros do casal que estavam a condicionar o bem-estar e a felicidade do outro, dar uma segunda oportunidade à relação passará invariavelmente por tentar encontrar novas soluções de compromisso e isso só se consegue com diálogo e disponibilidade para prestar muita atenção aos sentimentos da pessoa de quem gostamos. Voltar para uma relação com uma postura de evitação de problemas ou, pior, de inflexibilidade, é garantia de uma nova rutura.
Há quem defenda que se o casal quer, de facto, continuar junto, não faz sentido separar-se em primeiro lugar. Em que aspeto pode uma separação ser vantajosa numa fase em que o relacionamento apresenta sinais claros de desgaste? (ou seja, no fundo, uma separação temporária pode ajudar a fazer um ‘reset’ à relação?)
A única vantagem que associo a uma separação temporária está relacionada com a diminuição da raiva e da ansiedade, o que potencia a capacidade de cada um para valorizar os sentimentos do outro. Só esta postura de genuína curiosidade em relação ao impacto que o nosso comportamento tem nos sentimentos da pessoa amada é que pode consolidar a reaproximação.
Diz o ditado popular que ‘toda a gente merece uma segunda oportunidade’, mas há situações nas quais as pessoas têm dificuldade em fazê-lo. Como fazer este equilíbrio entre não desacreditar as pessoas ao primeiro problema e, por outro lado, não correr o risco de voltar a investir numa relação que correu mal?
Pelo meu gabinete passam muitos casais a que chamo de “casa-separa”. São quase sempre pessoas muito desgastadas, cujos níveis de sofrimento estão associados à dificuldade em reconhecer os verdadeiros problemas da relação. Por exemplo, nas situações em que haja abuso emocional, a vítima tende a assumir uma postura excessivamente otimista em relação ao abusador. Olha para os períodos de “lua-de-mel”, em que há efetivos sinais de ligação emocional, como sinais claros de que é possível ser feliz ao lado daquela pessoa. Mas esta felicidade tem sistematicamente um prazo cada vez mais curto porque não há um compromisso com a mudança. A pessoa que maltrata tem dificuldade em admiti-lo, defende-se e acredita que pode continuar a fazê-lo.
Se algum destes passos falhar, a relação também continuará a falhar.
Tentar uma relação, seja de que tipo for, uma segunda vez, implica uma certa dose de abertura e coragem? (não é fácil dizer ‘não quero mais’, mas é ainda mais difícil admitir ‘ afinal quero tentar outra vez’) Que riscos existem quando uma segunda tentativa falha?
Não concordo com a ideia de que seja mais difícil admitir que se quer tentar outra vez. Normalmente há medo – legítimo e saudável – de que possa não dar certo mas é quase sempre o amor que nos faz dar esse passo. E, por amor, somos capazes de quase tudo. Como referi antes, os riscos estão sobretudo associados ao não reconhecimento dos problemas e, em função disso, ao desgaste e ao sofrimento que surgem quando a pessoa que deu uma nova oportunidade se dá conta de que está tudo na mesma.
As maiores dificuldades em dar uma nova oportunidade a uma relação estão muitas vezes associadas à família alargada e às crianças. É fundamental que os adultos se lembrem de que cada rutura é uma perda para os filhos, da mesma maneira que cada reaproximação implica a elevação de expectativas. As crianças precisam de estabilidade, segurança e clareza.
Por outro lado, a família alargada nem sempre apoia estas tentativas de reaproximação, sobretudo na medida em que tenham existido erros sérios. Esta postura crítica pode condicionar a vontade de dar uma segunda oportunidade à relação.