Quantas vezes deu por si a assumir um compromisso, a fazer um favor ou pura e simplesmente a escolher um caminho que não só não queria percorrer como tem a certeza de que lhe fará mal? Quantas vezes sentiu dificuldade em dizer «Não»? É provável que se tenha sentido angustiado(a). É sempre assim quando fazemos uma escolha que não respeite as nossas necessidades afetivas. Porque é que isto acontece? E como é que nos podemos libertar destes comportamentos?
APRENDER A DIZER «NÃO» COMEÇA NA INFÂNCIA
Há muitas pessoas que me dizem que não conseguem dizer «Não». Ou, pelo menos, que se queixam de não o conseguir fazer em alturas importantes. A queixa vem quase sempre acompanhada de muito mal-estar porque é óbvio que ninguém vive em paz na medida em que não faça as escolhas que traduzam aquilo que verdadeiramente sente e aquilo de que genuinamente precisa. Reconhecer esse mal-estar é meio caminho para querer fazer alguma coisa acerca deste padrão de comportamento, o que não significa que seja fácil.
Quando uma criança cresce com adultos que desvalorizem os seus sentimentos ou, pior, que exerçam alguma forma de chantagem emocional (ou outros abusos), é mais provável que, ao longo do seu desenvolvimento, reprima as suas necessidades afetivas com medo da rejeição.
Por exemplo, quando um pai ou uma mãe (ou outro adulto de quem a criança goste) diz coisas como «Se tu gostasses mesmo de mim…», «Se não fizeres [aquilo que eu (adulto) quero], és feio(a)» ou «Já não gosto de ti», está – muitas vezes sem querer – a fazer chantagem emocional. Está a pressionar a criança a fazer algo que ela não quer jogando com aquilo que deveria ser incondicional: o afeto. Involuntariamente, alguns adultos expõem as suas crianças ao medo da rejeição de forma regular.
Enquanto pais, é importante que nos lembremos de que quando dizemos coisas como «Não é caso para estares a chorar dessa maneira» ou «Estás a fazer um drama à toa», podemos estar a impedir os nossos filhos de reconhecerem, valorizarem e aprenderem a gerir as próprias emoções.
Quase nenhum pai ou mãe tem a intenção de negligenciar os sentimentos ou as necessidades afetivas dos filhos mas, em algum momento, todos erram. Adotar uma postura mais consciente, com a intenção de prestar (mesmo) atenção às emoções das crianças, até nas alturas em que o comportamento nos pareça desproporcional ao acontecimento, e assumir uma postura de genuína curiosidade, são passos fundamentais para alimentar a autoestima dos nossos filhos e ajudá-los a transformarem-se em adultos capazes de dizer «Não».
O QUE É QUE PODEMOS FAZER ENQUANTO
ADULTOS COM DIFICULDADE DE DIZER «NÃO»?
Na prática, nós sabemos dizer «Não». Até as pessoas com muita dificuldade em fazê-lo reconhecem que há circunstâncias em que se sentem mais capazes. Reconhecer que essa capacidade já existe pode ser importante para ultrapassar o bloqueio.
Aqui estão alguns passos que podem ajudá-lo(a) a lidar com essa dificuldade:
#1: Preste atenção aos seus sentimentos. Pergunte a si mesmo(a) «Como é que eu me sinto (a propósito de determinada escolha)?», «O que é que eu posso fazer para me sentir em paz?», «Do que é que tenho medo?».
Reconhecer e valorizar os próprios sentimentos é essencial para perceber o caminho que podemos percorrer em busca da nossa felicidade.
#2: Aprenda a diferenciar a frustração da rejeição. Muitas vezes, é o medo de que a outra pessoa se sinta rejeitada que nos leva a fazer escolhas que nos prejudicam. Só que é impossível sermos verdadeiramente felizes e darmos o melhor de nós numa relação na medida em que coloquemos estes níveis de pressão sobre os nossos ombros. Todas as relações implicam frustração.
Se disser «Não» ao seu filho, ao seu amor ou ao seu patrão, ele(a) pode sentir-se frustrado(a) mas isso está muito longe de querer dizer que você esteja a rejeitá-lo(a).
#3: Defina a sua intenção. Qual é o seu propósito? Viver de forma mais harmoniosa, em paz consigo mesmo(a)? Ser verdadeiro(a) consigo e com os outros? Construir relações mais equilibradas? Definir de forma clara aquilo que quer para si, para a sua vida está longe de querer dizer que a partir desse momento não vai voltar a “falhar”. Significa, isso sim, que se torna mais claro o motivo por que a mudança é importante para si. Mais: talvez se dê conta de que é mais fácil dizer «Não» se explicar, de forma afetuosa, os motivos por que está a fazê-lo. Se disser qualquer coisa como «Eu não estaria em paz comigo se fizesse esta escolha» ou «Estou a tentar fazer escolhas que traduzam aquilo que verdadeiramente sinto», não só não estará a “atacar” ninguém, como estará a tomar conta dos seus sentimentos.
#4: Pratique. Encare cada “falhanço”, isto é, cada «Sim» desonesto como uma oportunidade para melhorar. Que escolha traduz a sua verdade? Ainda vai a tempo de voltar atrás? O que é que pode fazer para tentar respeitar os seus sentimentos sem desrespeitar ninguém? Lembre-se de que respeitar os sentimentos de outra pessoa NÃO é dizer «Sim» ao que ela pede. Respeitar a vontade de alguém é assumir que aquela pessoa tem o direito de se sentir de determinada maneira e de fazer o que estiver ao seu alcance para alcançar determinados objetivos. Sempre que der por si a assumir responsabilidades que não sejam suas ou a sentir-se pressionado a fazer determinada escolha, interrogue-se «Para quê que estou a fazer isto?», «Que escolha me trará paz?» e continue a praticar.