Por um lado, há cada vez mais histórias de amor que começaram com um pedido de amizade no Facebook, um match no Tinder ou uma troca de mensagens no whatsapp. Por outro, há cada vez mais pessoas que se queixam porque a pessoa com quem vivem adormece e acorda agarrada ao telemóvel. E pelo meio ainda ouço diariamente inúmeros casos de infidelidade que começaram ou foram descobertos através do telemóvel. Os smartphones vieram para ficar. Será que estão a prejudicar as relações amorosas?
Quase todos os casais com quem trabalho têm queixas a propósito da utilização do telemóvel. Há quem se queixe porque houve uma infidelidade e o uso do telemóvel passou a ser mais uma fonte de insegurança – independentemente de a traição ter começado nas redes sociais ou não -, há quem se queixe porque se sente só, dada a utilização que o companheiro faz do aparelho. Mas curiosamente, quase todas as pessoas assumem que o telemóvel já serviu para alimentar a própria relação.
É POSSÍVEL ENCONTRAR A PESSOA CERTA NO TINDER OU NO FACEBOOK?
A tecnologia trouxe algo de extraordinário à vida da maior parte dos adultos que conheço: a possibilidade de se ligarem a muitos outros adultos, inclusive do ponto de vista amoroso. Não é fácil conhecer (muitas) pessoas novas quando se deixa de estudar e é ainda mais difícil encontrar alguém com quem haja química. As aplicações como o Tinder ou o Facebook trouxeram um mundo de oportunidades. De repente, passou a ser possível conectarmo-nos a muito mais pessoas.
Claro que, e tal como acontece na vida fora das redes, este mundo de oportunidades também implica um mundo de expectativas. É verdade que a maior parte das pessoas, mais cedo ou mais tarde, desejam viver histórias românticas com significado, desejam ligar-se intensamente a alguém. Mas nem todas as pessoas acedem a estas aplicações apenas com esse propósito. Há muita gente à procura daquilo a que eu chamo de relações “fast food”.
Há quem queira divertir-se e experimentar o máximo que puder, sem intenção de se comprometer, há quem se inscreva com a expectativa de encontrar um companheiro para a vida e há muitos outros perfis pelo meio.
Para além do desafio de não se saber quais são (realmente as expectativas de quem está do outro lado, há um outro desafio associado a estas aplicações: a oferta é tanta que, a páginas tantas, pode ser difícil fazer uma escolha. Será que devo tentar alguma coisa com esta pessoa quando há tanta gente aparentemente tão interessante? O processo pode ser extenuante.
É por isso que, mais cedo ou mais tarde, há que decidir. Há que arriscar. Temos de ser capazes de reconhecer que aquilo que o digital nos oferece é uma pequena montra do mundo de cada pessoa.
É claro que é possível conhecer alguém através destas aplicações que venha a tornar-se “o/a tal”. Ou, pelo menos, uma das pessoas da nossa vida. Para isso importa que haja uma definição muito clara das próprias expectativas, um profundo respeito pelas próprias necessidades e a capacidade de arriscar e tomar decisões.
NOVA DEFINIÇÃO DE SOLIDÃO
Já perdi a conta ao número de pessoas que me disseram frases como «Ele(a) não larga o telemóvel». Normalmente, a esta queixa segue-se uma postura defensiva em jeito de contra-ataque: «Tu também estás sempre agarrado(a) ao telemóvel» ou «Olha quem fala».
A verdade é que todos nós já cometemos erros associados ao uso do telemóvel. São comportamentos que podem prejudicar as nossas relações muito mais do que possamos imaginar.
Quando nos sentimos vulneráveis, quando precisamos de atenção ou pura e simplesmente quando temos vontade de partilhar um momento importante, esperamos que a pessoa de quem gostamos se volte para nós e nos mostre que está “ali” por inteiro. Precisamos que mostre de forma clara que está a prestar muita atenção ao que quer que tenhamos para dizer. Mas quantos de nós já não cedemos à tentação de agarrar no telemóvel a meio de uma destas conversas “só” para espreitar uma mensagem que acabou de cair? Quantas vezes dissemos «Eu estou a ouvir-te» com os olhos colados ao ecrã?
Há dias uma paciente dizia-me que quando se queixava deste tipo de situações, o marido reproduzia a sua última frase para “provar” que estava atento. Será disto que precisamos? Claro que não!
Ninguém precisa de uma prova de que aquilo que está a ser dito esteja a ser memorizado. Não é assim que se constrói ligações.
Passou a ser possível sentirmo-nos profundamente sós, mesmo que a pessoa de quem gostamos esteja fisicamente ao nosso lado.
TECNOLOGIA NO QUARTO
Começámos por desculpar-nos com o facto de o telemóvel ter substituído os despertadores convencionais e depois relaxámos e habituámo-nos à ideia de levar os smartphones para o quarto. Há até quem durma com o telemóvel debaixo da almofada. Como é que estas escolhas afetam as nossas relações? Terão uma relação direta com a intimidade sexual?
A resposta é simples: se permitirmos, sim.
Há algo que muda no nosso cérebro quando estamos permanentemente ligados. Deixamos de conseguir focar-nos no momento presente, de apreciar o aqui e agora. É como se estivéssemos ligados à eletricidade.
Como é que vamos parar para namorar, para conversar, para nos ligarmos genuinamente a outra pessoa se estivermos com a mente a mil? Não paramos. Podemos obrigar o nosso corpo a entregar-se ao sabor de um beijo apaixonado mas o mais provável é que não sintamos nada se o nosso pensamento estiver no e-mail que acabou de chegar e a que será preciso responder logo que aquele momento “romântico” termine ou na mensagem de whatsapp que se fez soar e que ainda não sabemos de quem é.
TENTAR MUDAR
Mesmo que (ainda) não existam problemas sérios na relação, podemos fazer alguns testes e avaliar as mudanças que surgem. Aquilo que tenho observado é que, numa semana, é possível observar mais-valias. Quando nos comprometemos – a dois – com gestos simples como desligar os dados do telemóvel nas saídas a dois, deixar os telemóveis na sala antes de ir para o quarto ou falar ao telemóvel e deixarmos que a voz da pessoa de quem gostamos nos conforte em vez de trocar dezenas de mensagens por dia, damo-nos conta de que é possível ligarmo-nos realmente à pessoa de quem gostamos e que isso nos pode fazer sentir muito mais vivos.