Suficientemente longe para não ter de haver conversas nem encontros marcados mas suficientemente perto para continuar a acompanhar o que a outra pessoa faz, sobretudo através das redes sociais – já foi alvo de “orbiting”?
Joana e David saíram juntos meia dúzia de vezes. No princípio, correu tudo bem e Joana achava que as coisas estavam encaminhadas para que pudessem avançar para um namoro. Tinham combinado passar uma parte das férias juntos, falavam muito sobre a família alargada de cada um (ambos eram divorciados) e Joana sentia-se feliz. Depois da primeira discussão, David deixou de responder às mensagens de Joana e durante várias semanas não houve mais encontros. Como não havia um compromisso oficial, Joana sentiu-se desconfortável com a ideia de “cobrar” qualquer resposta e interiorizou que a relação tinha acabado. Entretanto, David continuava a fazer “gosto” nas publicações de Joana no Facebook e via TODAS as suas publicações nos “stories” do Instagram. «No princípio achei que era por acaso, já que quando abrimos uma publicação no “stories” a aplicação salta de utilizador em utilizador mas depois passei a prestar mais atenção e reparei que ele era quase sempre das primeiras pessoas a ver aquilo que eu publicava». Cerca de um mês depois de terem deixado de sair juntos, encontraram-se no ginásio e David sugeriu que poderiam «combinar alguma coisa». Voltaram a sair mais duas vezes «mas não funcionou». Joana sentia que havia coisas por resolver e voltaram a discutir. «O David voltou a afastar-se sem dizer nada e agora já é normal para mim constatar que continua a seguir-me com entusiasmo nas redes sociais».
O que é que faz com que uma pessoa deixe de querer responder às mensagens de outra pessoa mas mantenha a vontade de a seguir de perto nas redes sociais?
NINGUÉM É 100% PERFEITO NEM 100% HORRÍVEL
Quando conhecemos uma pessoa e nos interessamos por ela, é natural que nos foquemos no que ela tem de melhor. À medida que a conhecemos, vamo-nos deparando com características que nos desagradam, vamo-nos confrontando com hábitos que podem forçar-nos a sair da zona de conforto e vamo-nos questionando «É mesmo isto que eu quero?» - pelo menos, se estivermos minimamente interessados numa relação de compromisso.
Algumas pessoas permanecem neste impasse: por um lado, sentem-se atraídas por um conjunto de características da outra pessoa e idealizam à volta da possibilidade de ela ser “a tal” mas, por outro lado, sentem-se desagradadas em relação a alguns comportamentos e isso leva-as a afastarem-se. É precisamente por não se sentirem capazes de fazer uma escolha assertiva – que até poderia passar por expor o seu desagrado e dar oportunidade à outra pessoa de mudar alguns comportamentos – que acabam por se manter neste limbo.
UMA QUESTÃO DE RESPEITO
Já o disse outras vezes: o facto de hoje existirem redes sociais, aplicações de telemóvel como o Tinder ou sites de encontros criou um paradoxo curioso – há cada vez mais oportunidades para conhecermos pessoas novas e é cada vez mais difícil comprometermo-nos com uma escolha. É como se, perante as centenas de alternativas que reconhecemos que existem nos sentíssemos cada vez menos dispostos a fazer sacrifícios.
Isto faz com que para algumas pessoas seja mais fácil dispersar a atenção desta forma, acabando por não fazer uma escolha clara e honesta.
Em ambiente clínico procuro chamar sempre a atenção para a possibilidade de cada um de nós fazer as escolhas que traduzam o respeito pelos nossos sentimentos e pelas nossas necessidades afetivas. Nestes casos, isso pode passar por fazer a escolha de seguir em frente, apesar de a outra pessoa ter a intenção de manter a ambivalência.
Todas as relações implicam que duas pessoas se revelem e acedam a características e hábitos menos positivos. É a conversar – com clareza e honestidade – que as pessoas se entendem. Nenhuma relação será perfeita, nenhuma pessoa corresponderá EXATAMENTE àquilo de que precisamos. E, mais cedo ou mais tarde, teremos de escolher. Qualquer pessoa é livre de fazer a escolha de manter a dúvida – o “Orbiting” é só mais uma forma de manter alguém continuamente na expectativa – mas qualquer pessoa tem o poder de fazer as escolhas que traduzam genuíno respeito por si mesma.
Para algumas pessoas, seguir em frente e deixar de alimentar expectativas numa relação pode passar por “desamigar” a outra pessoa das redes sociais. Para outras, pode passar pela colocação de perguntas com a intenção de definir de forma mais clara os limites da relação. A cada uma compete fazer as escolhas que a aproximem de um estado emocional mais pacífico sem desrespeitar os outros.