Portugal é recordista europeu de divórcios – por cada 100 casamentos, há 70 divórcios – mas o número de casamentos tem vindo a aumentar nos últimos 3 anos. Para muitas pessoas, o casamento continua a ser um objetivo de vida e, para a maioria, o desejo é que dure «para sempre» mas nos dias de hoje o máximo que podemos ambicionar é que dure «até que o amor acabe». Será que vale a pena casar?
Há trinta ou quarenta anos a questão nem se colocava – praticamente toda a gente casava. Antigamente as pessoas casavam para poder viver um grande amor (sem a supervisão dos pais). Agora o casamento acaba muitas vezes quando surge um amor maior ou diferente. As pessoas casavam para ter filhos. Agora quase metade dos bebés nasce fora do casamento. Casavam para poder ter sexo. Agora é muitas vezes a falta de sexo no casamento que faz com que ele acabe. As pessoas também casavam para poder ter companhia. Agora uma das principais queixas que ouço enquanto terapeuta conjugal é a solidão no casamento.
O QUE É QUE MUDOU?
Nas últimas décadas mudou quase tudo – passámos a olhar para o casamento como uma forma de sermos mais felizes (e não apenas como uma obrigação inevitável), homens e mulheres passaram a trabalhar dentro e fora de casa, tornámo-nos mais ambiciosos tanto pessoal como profissionalmente, tornámo-nos mais atentos e exigentes enquanto pais, afastámo-nos fisicamente da comunidade, convivemos muito menos com os nossos amigos e passámos a estar sistematicamente ligados ao mundo virtual.
Antigamente a pessoa com quem casávamos era uma das pessoas com quem podíamos contar. Para além dela, havia a família alargada (que vivia quase sempre perto), o padre (a Igreja tinha um peso muito maior), os vizinhos (que eram também amigos) e os (outros) amigos com quem conversávamos presencialmente. Agora é muito mais barato conversar ao telefone, passou a ser possível trocar mensagens de forma instantânea e a pessoa com quem casamos é muitas vezes o único adulto com quem conversamos cara a cara depois de um dia de trabalho.
Temos as maiores expectativas em relação ao nosso cônjuge:
Esperamos que o nosso companheiro seja o melhor
amigo capaz de nos ouvir ininterruptamente,
o/a amante de topo capaz de inovar e de nos surpreender,
o melhor pai ou a melhor mãe do mundo,
o/a profissional de sucesso e bem remunerado/a
que nos ajude a conquistar todos os sonhos,
aquele/a que está sempre “lá” para nós
e que nunca falha.
CASAR PARA QUÊ?
Deparo-me muitas vezes com publicações nas redes sociais que mostram frases motivacionais muito pouco ajustadas ao dia-a-dia dos casamentos reais. Coisas como «Tu mereces alguém que te faça feliz. Quem ama não magoa» ou «Alguém que complique a tua vida não merece o teu amor», que, se forem levadas à letra, podem colocar muita pressão em qualquer relação.
Quase todas as pessoas que conheço – dentro e fora do meu consultório – casam com a expectativa de serem ainda mais felizes e com a intenção de serem felizes ao lado da pessoa que escolheram na maior parte do tempo. De resto, digo-o muitas vezes: a única coisa que mantém uma família unida nos dias de hoje é a felicidade do casal. Se pelo menos um dos membros do casal deixar de se sentir feliz no casamento, a família separa-se. Mas isso não quer dizer que haja relações em que esteja sistematicamente tudo bem.
Não o fará de forma intencional. Mas vai falhar, vai errar e, mesmo que não esteja a fazer nada de “errado” vai desejar algumas coisas incompatíveis com os nossos próprios sonhos, vai ter necessidades que colidam com as nossas e, nesse sentido, não vai conseguir estar sempre “lá”. Ninguém vai.
Por outro lado, o casamento não é feito de novidades constantes. Há muitas alturas de “seca”, de rotina, de pasmaceira. Há períodos de muito cansaço, de algum afastamento físico e emocional. É por isso que é dificílimo manter o entusiasmo, a vivacidade. É por isso que é fácil olhar para o lado e darmo-nos conta de que há sempre pessoas novas por conhecer.
Mas quererá isso dizer que a felicidade passa por acabar a relação e partir para outra ao mínimo sinal de tédio ou de conflito?
Para algumas pessoas, esse é o caminho a seguir. Para outras, não. E depois há quem case duas ou três vezes e um dia pare para refletir sobre aquilo de que realmente precisa para ser feliz.
Costumo dizer que nem todas as pessoas foram “feitas” para estar casadas. Aquilo que quero dizer é que o casamento não tem de ser a fórmula da felicidade para toda a gente e aquilo que verdadeiramente importa é que sejamos capazes de ir parando para nos conhecermos, para conhecermos as nossas necessidades e, assim, fazermos escolhas mais conscientes.
VALE A PENA CONTINUAR CASADO/A?
Há pessoas que casam profundamente apaixonadas e conseguem ser felizes durante 10 ou 20 anos mas para quem um dia aquele casamento deixa de fazer sentido.
Como é que a pessoa que escolhemos pode continuar a ser a “tal”, no meio de todas estas mudanças? Como é que nós próprios podemos ser a fonte de segurança e de inovação para o outro?
O casamento é, sobretudo, um passo que nos permite dizer publicamente que aquela pessoa é suficientemente importante para nós para querermos arriscar o desafio de nos comprometermos «para sempre». É a intensidade dos sentimentos e a elevação das expectativas que nos faz querer casar. Queremos celebrar o amor e assumir um compromisso que nos ajude a olhar para a relação como um trabalho de equipa.
A minha experiência mostra-me que é muito mais provável que esta equipa continue a desejar estar junta – apesar dos problemas, da monotonia ou da concorrência – quando:
- ❥- Os membros do casal vão redefinindo as suas expectativas, conversando abertamente sobre as necessidades afetivas de cada um, aquilo que é ou não realista, aquilo que um pode esperar do outro em cada etapa.
- ❥- Os membros do casal alimentam outros laços afetivos – quer individualmente, quer como casal. Os amigos e a família ajudam-nos a sentir-nos mais amparados e otimistas. A existência de outras pessoas que nos queiram bem e com quem possamos conversar, divertir-nos e relaxar é sempre uma mais-valia.
- ❥- Os membros do casal são capazes de inovar. Isso nem sempre passa por testar todas as posições do kamasutra. Passa sobretudo por viver experiências novas a dois, arriscar, manter uma certa curiosidade e descobrir coisas novas. Pode ser uma viagem, uma aula de dança ou outra coisa qualquer que os ajude a continuar a incluir vivacidade na relação.