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3.9.18

COMO SOBREVIVER A UMA TRAIÇÃO


É daquelas coisas que achamos que só acontecem aos outros mas pode acontecer – literalmente – a qualquer um. E quando somos traídos – o que é que fazemos? Separamo-nos? Ficamos na relação? Como é que lidamos com a quebra de confiança? Como é que voltamos a acreditar no amor para a vida toda?


A esmagadora maioria das pessoas já foi afetada por uma traição. Entre as pessoas que já traíram, as que foram traídas, as que viram a infidelidade atingir o casamento dos próprios pais, as que são filhas de uma relação extraconjugal e as que descobriram a traição de um familiar ou de um amigo e tiveram de lidar com isso, estamos a falar de mais de 80 por cento da população. E ainda que seja fácil dizer que “anda meio mundo a trair a outra metade”, esta é sempre uma experiência devastadora, sobretudo quando há uma história a dois, quando há filhos e a expectativa de uma relação que pudesse durar para sempre.

UM MURRO NO ESTÔMAGO


Há quem ande com a pulga atrás da orelha durante semanas ou meses, sem provas nem sinais concretos que apontem para a existência de uma relação extraconjugal mas com a sensação de alguma coisa não está bem. Até que um dia… encontra uma mensagem, apanha uma mentira ou encontra o companheiro numa situação comprometedora. Mas também há quem tenha uma vida normal – feliz, até – e que seja apanhado de surpresa com a revelação. Independentemente da forma como a traição seja revelada, é sempre um choque, é sempre um murro no estômago. Claro que não estou a referir-me a relações curtas, em que também há sofrimento mas não há o investimento de uma relação de vários anos.

Nós sabemos que as pessoas não são santas e estamos conscientes de que é fácil trair. As solicitações e as novidades estão em todo o lado e a vida a dois – mesmo nas relações felizes – tem muitos dias cinzentos.



Temos essa consciência mas acreditamos – e ainda bem – que a nossa relação pode ser imune às traições e que a pessoa que está ao nosso lado JAMAIS o faria.

É essa crença, essa segurança, que nos ajuda a viver a vida sem estarmos permanentemente em estado de alerta. Mas também é por causa dessa segurança que, quando sabemos que fomos traídos, o (nosso) mundo parece ruir.

«É como se me tivessem puxado o tapete» ou «Fiquei sem chão» são frases que oiço com frequência. A pessoa que foi traída sente-se muitas vezes perdida entre os sentimentos românticos que ainda tem (e que não desaparecem automaticamente), a tristeza profunda associada à desilusão e o medo relacionado com a quebra de confiança.

DEPOIS DA TRAIÇÃO:
ACABAMOS OU RECOMEÇAMOS? 


Aquilo que acontece imediatamente depois da traição é para esquecer: a quente, dizemos e fazemos coisas de que é fácil arrependermo-nos. Também não vale a pena martirizar-se por não ter conseguido poupar os seus filhos a esta história, por não ter conseguido lidar com a situação sem gritos ou insultos ou por ter colocado o seu companheiro fora de casa. É natural que aja de forma impulsiva – está em choque.

É preciso algum tempo para que a poeira assente e cada um possa começar a lidar com as próprias emoções – reconhecendo-as, primeiro, e decidindo o que fazer com elas, depois. E se a decisão se mantiver pouco clara durante algum tempo, está tudo bem. É normal. 



É verdade que para algumas pessoas a decisão é clara e imediata: é preciso que haja uma separação. E isso não significa que já não haja amor. O que acontece é que há pessoas que sabem que não serão capazes de voltar a confiar e/ou que têm a profunda convicção de que não conseguirão perdoar a traição e escolhem terminar a relação. Mas a esmagadora maioria das pessoas com quem vou trabalhando – mesmo aquelas que optam por divorciar-se, fazem-no depois de um processo de decisão que envolve algum tempo. Isso tem a ver com a história a dois, com a dificuldade em colocar um fim a um projeto de vida que ambos acreditavam que pudesse durar para sempre e, claro, com a imensa dificuldade em lidar com o impacto da separação no bem-estar dos filhos.

A esmagadora maioria das pessoas que me pedem ajuda na sequência de uma traição estão dispostas a voltar a tentar – quase sempre “a medo”, muitas vezes com condições impostas. A verdade é que estes pedidos de ajuda acontecem muitas vezes depois de o casal perceber que uma coisa é decidir voltar a dar uma oportunidade à relação e outra, bem diferente, é conseguir enfrentar o dia-a-dia com cobranças, desconfianças, tentativas de controlo ou discussões sistemáticas sobre o assunto.

COMO É QUE O CASAL PODE LIDAR COM A TRAIÇÃO? 


Uma das coisas que costumo propor a quem foi traído é que faça uma lista de todas as dúvidas que ainda subsistem. A minha intenção é quebrar os círculos viciosos que fazem com que o casal se sinta como ratinhos a correr em cima de uma roldana, sempre a falar do mesmo e sem ir a lado nenhum. A ideia não é dizer «Agora chega de falar sobre o que aconteceu» - pelo contrário! Só se o casal se unir no sentido de um conseguir perceber o sofrimento do outro e reconhecer aquilo que pode ser feito para o tranquilizar é que a paz pode ser retomada. A minha função é ajudá-los a fazer essa aproximação com genuína preocupação e com respeito mútuo.



Na tentativa de chamar a atenção para essa necessidade, algumas pessoas adotam comportamentos que fazem com que o companheiro se sinta castigado, controlado, desrespeitado. Quando, em terapia, os sentimentos e as verdadeiras necessidades de cada um são reconhecidos e quando há amor e verdadeira vontade de reconstruir a relação, tudo começa a endireitar-se.

Claro que passam por mim alguns casais que não estão assim tão disponíveis para este trabalho terapêutico. Há quem venha apenas com a intenção de encontrar na terapia a autorização para continuar a castigar o companheiro. E há sobretudo muitos casos de pessoas que traíram e esperam que o companheiro se apresse a perdoá-las e a seguir em frente «parando de olhar para o passado». Não dá bom resultado.

Depois de o compromisso estar claro, é preciso olhar para trás: para a história a dois - para o que correu bem e para o que correu mal - mas também para a relação extraconjugal. Se houve uma traição, há três protagonistas na história, mesmo que a terapia seja a dois. Se o casal se recusar a olhar para aquilo que a terceira pessoa trouxe à vida da pessoa que foi infiel, para todas as coisas positivas que o/a fizeram desviar-se dos seus valores e colocar a relação mais importante da sua vida em risco, estará a menosprezar uma parte importante do processo de reconstrução da relação.

Para que ambos voltem a sentir-se seguros E ENTUSIASMADOS com a relação, precisarão de reconhecer aquilo que praticamente todas as pessoas que traíram me dizem: a relação extraconjugal fê-las sentir VIVAS.

Este reconhecimento é essencial para que o casal possa definir de forma clara e honesta as suas intenções em relação ao futuro: 

«Como é que eu quero sentir-me nesta relação?»

«Do que é que eu preciso?»

«O que é que eu posso fazer para que o meu companheiro se sinta seguro e entusiasmado?»

Eu gostava de dizer que todos os processos são fáceis e rápidos mas isso não corresponderia à verdade. Cada história de vida é única e o tempo de que uma pessoa precisa para voltar a sentir-se segura é diferente do de outra. Cada pessoa tem o seu ritmo, cada casal tem as suas especificidades. São muitas as vezes em que há avanços e recuos. Às vezes os recuos têm a ver com a revelação de novos detalhes; outras vezes têm a ver com a dificuldade em lidar com os sentimentos de cada um. Faz parte. Mas quando há amor e vontade de ficarem juntos, tudo é possível.
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