Quem são as pessoas que praticam violência emocional nas relações? Qual é o perfil de quem exerce esta forma de abusos sobre o companheiro? São pessoas com alguma perturbação de personalidade? E o que é que pode ser feito em termos da sua recuperação?
«É difícil acreditar que aquela pessoa tão simpática e atenciosa possa fazer mal a uma mosca. Quanto mais exercer violência emocional sobre a mulher… Esse foi mais um dos obstáculos que tive de ultrapassar a propósito das tentativas que fiz para sair desta relação. Eu sabia que seria muito difícil que alguém acreditasse em mim. Eu própria levei muito tempo para conseguir reconhecer os abusos, dar-lhes um nome. E, mesmo depois de tomar consciência de que estava a ser vítima de violência emocional, passei muito tempo a acreditar que o meu marido não sabia o que estava a fazer, que estava deprimido e que eu o poderia ajudar.»
Teresa, 48 anos
É natural que associemos quase todas as formas de violência à falta de saúde mental. Quando pensamos na possibilidade de uma pessoa maltratar outra de quem teoricamente gosta, só a existência de uma perturbação nos parece que possa explicar o fenómeno. Mas a minha experiência clínica e as muitas investigações que existem nesta área mostram que, quando falamos de violência emocional na relação, falamos muito mais vezes de uma crise de valores do que de uma perturbação de personalidade.
É verdade que me tenho cruzado com alguns abusadores com perturbação narcísica da personalidade ou com perturbação de personalidade borderline MAS, na maior parte dos casos, não há qualquer perturbação de personalidade.
Há, isso sim, uma imensa vontade de exercer poder sobre a outra pessoa – de a controlar, intimidar, subjugar, humilhar, punir ou isolar. Estes comportamentos tóxicos são gratificantes na medida em que o abusador vai sentindo que tem ao seu lado alguém que tem de estar permanentemente focado em si.
O QUE É A VIOLÊNCIA EMOCIONAL?
Pode incluir palavras duras mas também pode mostrar-se através de um simples olhar. Há muitas formas de maltratar a pessoa que está ao nosso lado. Os efeitos são sempre devastadores. Independentemente do tipo de abusos a que são submetidas, as vítimas de violência emocional sentem-se quase sempre esgotadas, deprimidas, confusas, culpadas, com dificuldades de concentração e baixa autoestima. É como se alguém – neste caso, a pessoa que menos esperariam – lhes fizesse uma lavagem cerebral. De forma gradual e, infelizmente, difícil de detetar, os abusos vão roubando a autoconfiança e a imagem que a pessoa tem de si mesma. Vistas de fora, estas pessoas até podem parecer as mesmas de sempre. Não há nódoas negras, não há arranhões. As marcas não são visíveis mas estão lá.
O PERFIL DO ABUSADOR
Ao longo da minha experiência como terapeuta de casais tenho trabalhado com muitas pessoas que exerceram violência emocional na relação e posso afirmar que nem todos correspondem ao perfil que geralmente associamos a qualquer forma de violência. Pelo contrário, muitas destas pessoas investem muita energia na tentativa de construírem uma imagem imaculada. Esses esforços não são mais do que exercícios de manipulação com o propósito de que os outros os vejam como “boas pessoas”.
Na verdade, também é assim que as vítimas os veem no princípio da relação. Só à medida que o abusador vai percebendo que o afeto da vítima está garantido é que começa a mostrar-se tal como é.
Um médico de meia-idade com quem trabalhei não era só conhecido pela forma atenciosa como tratava os seus pacientes. Também fazia voluntariado e abdicava muitas vezes do tempo livre para ajudar os outros. Infelizmente, esta é a mesma pessoa que maltratou a mulher durante anos, chegando mesmo a agredi-la fisicamente.
Quando olhamos para a história de vida das pessoas que praticam estes abusos emocionais encontramos muitas vezes elementos em comum. Por exemplo, na maioria dos casos com que tenho trabalhado, os abusadores são homens que cresceram em famílias marcadas por esta e outras formas de violência. Por detrás de um abusador há quase sempre um pai abusador. Por outro lado, e mesmo nos casos em que identificamos traços de personalidade mais narcísicos, é possível identificar graves lacunas em termos de autoestima. São pessoas aparentemente confiantes mas que, na verdade, se sentem inseguras e olham para si mesmas como inferiores. Os abusos são formas de gratificação – quando a pessoa olha de forma distorcida para o poder pessoal, acaba por buscar a gratificação no exercício de poder sobre outra pessoa.
O ABUSADOR CONSEGUE MUDAR?
«Será que ele muda?» e «O que é que EU posso fazer para que ele mude?» são duas das perguntas que ouço mais vezes a propósito das relações abusivas. Quanto mais tempo durar uma relação abusiva, maior é a probabilidade de a pessoa exposta aos abusos chamar a si toda a responsabilidade, como se fosse ela que tivesse de mudar alguma coisa para que os comportamentos abusivos tivessem um fim.
Há casos em que a pessoa que costumava ter comportamentos abusivos escolhe mudar e consegue implementar mudanças significativas MAS em quase vinte anos de trabalho eu nunca conheci uma pessoa que tivesse mudado o companheiro. A mudança ocorre quando a pessoa que pratica os abusos:
- percebe que TEM DE mudar, isto é, quando percebe que a relação está em risco e que não basta “portar-se bem” durante algum tempo.
- reconhece os abusos e é capaz de falar deles EM DETALHE e ouvir a vítima. Não chega dizer coisas como «Eu sei que errei… mas agora é tempo de olhar para o futuro».
- procura ajuda terapêutica para mudar o SEU comportamento, reconhecendo que a responsabilidade da violência emocional é apenas sua. Alguns abusadores procuram justificar os abusos com o eventual diagnóstico de uma perturbação de humor, nomeadamente depressão. A verdade é que a depressão não justifica os abusos emocionais. De resto, muitas vítimas de violência emocional desenvolvem episódios depressivos e não se transformam em pessoas violentas.
Na esmagadora maioria das relações abusivas que conheço, aquilo que está «“doente»” é o sistema de valores do abusador. A terapia só é eficaz se o abusador estiver disponível para identificar os pensamentos desajustados que estão associados aos comportamentos abusivos.