A infidelidade tem de levar ao divórcio? Porque é que há pessoas que escolhem ficar na relação depois da traição? Serão tontas? Masoquistas? E, afinal, a infidelidade é mesmo a maior forma de traição?
Quando comecei a trabalhar em terapia familiar, a maior parte das pessoas traídas sentiam-se muito pressionadas para manter o casamento. Há quase vinte anos, era mais comum que os familiares e amigos tentassem tudo para que o casal se mantivesse unido, sobretudo em nome da estabilidade emocional dos filhos. Às vezes essa pressão tinha um preço muito alto: para algumas pessoas, a dor que sentiam e a vontade de terminar a relação não eram compreendidas nem bem vistas.
Nos últimos anos a forma como olhamos para o amor, para as relações e até para o divórcio mudou muito. Conhecemos cada vez mais pessoas separadas, percebemos que, na maior parte dos casos, estas pessoas voltam a amar e convivemos de forma mais pacífica com o divórcio.
E EM RELAÇÃO À INFIDELIDADE?O QUE É QUE MUDOU?
Todos os dias trabalho com casais que passaram pela experiência da infidelidade. Na maior parte dos casos, os pedidos de ajuda chegam pouco tempo depois da revelação da traição e o sofrimento é claro. Continuamos a investir muito nas relações amorosas e a última coisa que nos passa pela cabeça é que possamos fazer parte das estatísticas da infidelidade.
Mudou muita coisa a propósito da infidelidade. Passámos a falar cada vez mais de infidelidade emocional, das muitas formas de traição e dos limites que cada casal pode definir, de acordo com os seus sentimentos e as suas necessidades. Mas em nenhum momento passámos a olhar para a infidelidade como algo menos doloroso.
“TENS DE TE DIVORCIAR”
Quase todas as pessoas traídas pensam em separar-se. No momento em que a verdade é conhecida, é comum que os sentimentos sejam tão intensos que essa pareça a única alternativa viável. Mas a maior parte das pessoas acabam por reconsiderar, acabam por ter dúvidas e acabam sobretudo por perceber que, apesar do sofrimento provocado pela infidelidade, o amor não desapareceu de forma instantânea.
Ao contrário do que acontecia há alguns anos, muitas pessoas traídas sentem vergonha em assumir que estão a dar uma oportunidade à sua relação. Sentem-se pressionadas a avançar para uma separação, como se essa fosse efetivamente a alternativa que melhor se ajusta à nova realidade. E é aqui que convém lembrar: só nós sabemos aquilo que sentimos, aquilo de que precisamos. Cada um de nós.
Cada pessoa deveria ser livre para prestar atenção aos próprios sentimentos e necessidades e fazer uma escolha livre, consciente, sem qualquer pressão.
DEPOIS DA INFIDELIDADE:É POSSÍVEL MUDAR PARA MELHOR
Eu sei que sou suspeita porque trabalho com casais que lutam para manter a sua relação, mas a verdade é que há muitas pessoas para quem esse é efetivamente o caminho que vale a pena fazer. E não me refiro a qualquer tipo de resignação ou condenação. Refiro-me, isso sim, a quem escolhe, de forma consciente, tentar uma reconciliação e ser mais feliz naquela relação.
Uma das coisas que oiço com frequência da parte dos casais que estão a passar pelo terramoto de uma traição é que nas semanas que sucederam à descoberta da infidelidade conversaram mais do que nos anos anteriores. Pode parecer estranho, mas é mesmo muito fácil entrar no modo “piloto-automático” e permitir que as rotinas, as obrigações tomem conta de tudo.
Vão andando. Muitas vezes, sem que a comunicação seja propriamente muito profunda, sem que haja verdadeira conexão física e emocional.
Quando surge a notícia de uma infidelidade, fala-se sobre TUDO. Tudo vem à tona, muitas vezes de forma bruta, desorganizada. Mas, para muitos casais, este terramoto tem, pelo menos, essa mais-valia: a de, finalmente, conseguirem deitar cá para fora tudo o que sentem.
E é a partir daqui que muitas vezes se dão conta de que ainda há amor e que a vontade de trabalhar para que a relação dê certo é maior do que a vontade de colocar um ponto final.
AS PESSOAS TRAÍDAS QUE ESCOLHEM FICAR NA RELAÇÃO SÃO MASOQUISTAS?
Quando falamos de infidelidade, não falamos apenas de traição física. Aliás, para muitas pessoas essa nem é a parte mais significativa do problema. E quando falamos da relação afetada pela traição, não falamos apenas de sexualidade. É evidente que a traição dói sobretudo porque a pessoa que trai é muito mais do que o amante, o companheiro sexual. De uma maneira geral, a pessoa que trai é efetivamente o companheiro de uma vida, a pessoa em quem mais confiamos, aquela de quem menos esperávamos qualquer quebra de confiança.
Mas também é por isso que pode não fazer sentido colocar um ponto final à relação. Para muitas pessoas, continua a fazer sentido olhar para o(a) companheiro(a) e ver a pessoa para lá do erro que foi cometido.
Aquela é, muitas vezes, a pessoa que esteve “lá”
durante as crises, nos momentos de luto, nas alturas
em que nos sentimos mais desamparados. É a pessoa
que ama os filhos e que se dedica à família com
inúmeras demonstrações de genuíno altruísmo. É a
pessoa que esteve presente nos períodos de doença
e de vulnerabilidade. Como é que se deixa, com
facilidade, uma relação com alguém assim?
Quem escolhe ficar, de uma maneira geral, não é tonto nem masoquista. Fá-lo por respeito aos seus próprios sentimentos, por reconhecer a importância que a pessoa que traiu tem e pode continuar a ter na sua vida.
A INFIDELIDADE É A MAIOR FORMA DE DESRESPEITO OU TRAIÇÃO?
Para a esmagadora maioria das pessoas que passam pela experiência da infidelidade, esta é efetivamente a maior perda por que já passaram. É a maior quebra de confiança, o exemplo de maior desrespeito. A maior traição. Mas isso não significa – nunca – que este seja o acontecimento mais traumático na vida de um casal. Não significa, sequer, que a dor que lhe está associada tenha sido provocada de forma totalmente consciente e muito menos propositada.
A infidelidade é uma escolha, sim. E é uma escolha que viola o compromisso que existia, que magoa, que debilita. Mas há muitas outras formas de desrespeito e de traição. Algumas mais traumáticas, algumas intencionalmente traumáticas.
Há pessoas que se mantêm casadas e que nunca foram genuinamente companheiras. Há casais que estão juntos e que se sentem profundamente desamparados, desrespeitados e até deprimidos – ao longo de toda a vida.
A infidelidade é e vai continuar a ser um dos acontecimentos mais difíceis na vida de uma família. Há quem traia e não se arrependa de o ter feito. Há quem traia e se arrependa. Há quem se sinta devastado e escolha, de forma consciente, que a rutura é o melhor caminho. Há quem se sinta perdido e, ainda assim, faça a escolha de ficar e tentar ser feliz naquela relação. Cada um deve procurar olhar para dentro – de si mesmo, da própria relação – e fazer as escolhas que traduzam as próprias necessidades, sem qualquer pressão.