Quando um casal se separa, é usual dizer-se que é uma família que se desfaz. O pai vai para um lado e a mãe vai para o outro. Para as crianças as questões logísticas são apenas uma parte do assunto. Para os filhos, a família mantém-se – o pai é o pai e a mãe é a mãe. O que é que os adultos podem fazer para que, apesar das perdas, a família possa continuar a ser uma fonte de paz e segurança?
O divórcio é o segundo acontecimento mais stressante da vida familiar – apenas ultrapassado pela morte do companheiro ou de um filho. Por mais que ouçamos falar de divórcios e de separações de forma mais ou menos banal, por muito que as estatísticas nos mostrem que há cada vez mais famílias a passar por isso – em Portugal já há 7 divórcios por cada 10 casamentos que ocorram -, vale a pena lembrar que este é, de uma maneira geral, um processo doloroso para todos. Talvez se encurtem caminhos na medida em que nos lembremos disso e sintamos compaixão pelo sofrimento de cada pessoa envolvida antes de darmos por nós a fazer juízos de valor precipitados.
Quanto maior for a capacidade de cada adulto para gerir as suas emoções, maior a probabilidade de o bem-estar das crianças ser assegurado.
Contar às crianças que os pais se vão separar:
A importância de dizer a verdade.
Quando há filhos, o momento de ter “a” conversa e anunciar o divórcio pode ser particularmente stressante. A maior parte dos pais e mães que conheço desejam genuinamente o melhor para os seus filhos em todas as circunstâncias. Quando o divórcio é o caminho que os adultos sabem que têm de percorrer para voltarem a ser felizes, pode ser muito difícil lidar com a tristeza que as crianças invariavelmente sentirão. Pelo meio, há conflitos, há emoções contraditórias e há quase sempre um adulto que está mais ligado do que o outro e que pode ter dificuldade em manter-se sereno. É normal.
Não é fácil manter o foco, prestar muita atenção à forma como os filhos estão a acompanhar o processo de separação emocional e acompanhá-los antes da decisão oficial. Tenho-me cruzado com muitos pais que achavam que as crianças não sabiam de nada e que foram surpreendidos aquando do anúncio oficial. Não nos apressemos a julga-los. Estão quase sempre a viver o pior momento das suas vidas.
Quando a decisão estiver tomada, o ideal é que as crianças possam receber a notícia através de uma conversa serena em que estejam presentes os dois progenitores. Para quê? Para que, sem culpas nem acusações, possam mostrar às crianças que eles – os adultos – são os responsáveis por esta decisão e que continuarão a garantir que elas – as crianças – continuarão a sentir-se amadas pelos dois.
O que é isso de dizer a verdade?
Quando me refiro à importância de dizer a verdade, refiro-me sobretudo a não correr o risco de deixar as crianças desamparadas. Não permitir que haja a possibilidade de os filhos terem de lidar com toda a carga deste acontecimento sem sentirem que há espaço para conversar com os pais. A minha experiência como terapeuta familiar permite-me garantir-vos que há mesmo muitas crianças que mostram solidariedade pelo sofrimento dos adultos e que acabam por sofrer caladas. Por isso, é importante que os adultos não se resignem ao silêncio das crianças e que assumam a verdade de forma proativa.
Mas isto é muito diferente de escolher partilhar com elas os detalhes da separação. O que é que uma criança tem a ganhar com a revelação de uma traição? O que é que acrescenta ao bem-estar de um filho saber os pormenores que conduziram à rutura? Eu direi que é importante que os adultos tenham especial cuidado para não transformarem as crianças nos seus aliados em qualquer missão contra o ex-companheiro.
É normal que uma pessoa se sinta vítima do ex-companheiro. É normal que se sinta injustiçada, magoada. Mas é desejável que consiga gerir essas emoções recorrendo ao apoio de outros adultos e dando o seu melhor para que os filhos continuem a sentir-se amparados tanto pelo pai como pela mãe.
Quando, pelo contrário, uma criança se sente na obrigação de defender um dos progenitores por se tratar do elo mais fraco, isso coloca-a numa posição em que nenhuma criança deveria ter de ficar.
Depois do divórcio:
O que é que vai acontecer?
Ao longo do processo de afastamento emocional, e ainda antes de a decisão se consolidar, é normal que as dúvidas assaltem o pensamento dos adultos. E agora? Como é que vai ser? Será que o dinheiro vai chegar? Para onde vou viver? Quanto tempo vou passar com os meus filhos? Como é que as pessoas à minha volta vão reagir? Será que a tristeza vai passar?
Eu gostava de dizer que a maior parte dos pais e mães têm respostas para estas e outras perguntas no momento da separação mas isso não seria real.
Quando os adultos sentem compaixão por si mesmos e aceitam que as dúvidas façam parte da sua realidade, é mais provável que se sintam em paz, apesar de todas as interrogações. E é exatamente isso que pode ser transmitido às crianças.
É natural que as crianças tenham muitas dúvidas, muitos medos. Algumas crianças fazem muitas perguntas. Outras só querem saber se vão ter de sair da casa onde vivem. Outras não perguntam nada e até podem fazer com que os adultos se convençam de que não têm curiosidade. É a conversar que as podemos confortar. Sempre. Mas isso não significa que os pais tenham de ter as respostas para todas as perguntas.
Os pais podem antecipar algumas perguntas e preparar-se para a(s) conversa(s) mas é importante que deixem espaço para o aparecimento de perguntas para as quais não estejam preparados. Não há qualquer problema em responder «Não sei» ou «Ainda não pensámos nisso». Aquilo de que as crianças mais precisam é da certeza de que os adultos se vão conseguir entender e negociar para que as decisões práticas sejam definidas.
Vai ficar tudo bem
Quando a decisão é anunciada, é pouco provável que esteja tudo bem. Por norma, pelo menos um dos adultos está devastado e ambos podem ter dificuldade em conter as emoções. Tenho trabalhado com muitos pais e mães que me dizem que fizeram um esforço hercúleo para não chorar à frente dos filhos. Para quê? – pergunto. As crianças não gostam de ver o pai ou a mãe a chorar mas isso não significa que seja preferível tentar ocultar as emoções. Quando o pai ou a mãe chora à frente dos filhos (sem se vitimizar nem acusar o ex-companheiro), está a mostrar as suas emoções e a abrir espaço para que as crianças façam o mesmo. Depois é importante tranquiliza-las e explicar que NESTE MOMENTO não está tudo bem mas vai ficar tudo bem.
Dizer, com clareza e honestidade, que os adultos vão precisar de tempo para gerir tanto as questões práticas como as suas emoções é dar às crianças a mesmíssima possibilidade. Elas também devem ter a oportunidade de viver a tristeza, o medo ou a raiva com o tempo de que precisarem. E podem sempre ser confortadas com a certeza de que VAI MESMO ficar tudo bem.
No meio das incertezas, aquilo que importa assegurar é que os adultos se esforçarão por continuar a focar-se no bem-estar dos filhos e isso também passa por darem o seu melhor no sentido de AMBOS continuarem a estar presentes de forma regular na vida das crianças. A guarda e as responsabilidades parentais podem não estar (ainda) definidas mas as crianças sentir-se-ão infinitamente mais tranquilas se ouvirem os adultos explicar-lhes que serão capazes de conversar e negociar para que ambos continuem a estar presentes nos acontecimentos que fazem parte do dia-a-dia dos filhos – na escola, nas festas, no médico, nas férias, na ronha dos fins-de-semana, nos trabalhos-de-casa, nas conversas sobre as zangas com os amiguinhos.
O divórcio representa um conjunto de perdas para os filhos – não há como negar. Não é sequer desejável que os adultos procurem criar um conjunto de compensações que impeçam os filhos de prestar atenção à própria tristeza. Cada passo tem o seu tempo. Mas o divórcio pode ser muito menos stressante se os adultos derem o seu melhor para garantir que as crianças se sintam respeitadas e livres para continuarem a sentir-se ligadas a todos os adultos de quem gostam – e isso inclui a liberdade de construírem ligações de afeto e proximidade ao pai, à mãe, aos avós, aos tios, aos primos e a todas as pessoas que já faziam parte da sua rede de afetos.