Falar sobre tarefas domésticas implica invariavelmente falar de braços-de-ferro a propósito da sua distribuição. Para a esmagadora maioria das famílias, o bem-estar é maior quando as tarefas são partilhadas de forma equilibrada. No entanto, a maior parte das mulheres acabam por sentir-se sobrecarregadas com estes afazeres ao mesmo tempo que a maioria dos homens acreditam que fazem tanto como elas. Porque é que, na teoria, aplaudimos a ideia de que é importante partilhar e, na prática, na maioria das vezes os homens continuam apenas a ajudar?
(Quase ninguém) dá pulos de
contentamento por ter a "oportunidade" de limpar a casa de banho. E,
mesmo para as pessoas que gostam de manter a casa limpa e arrumada, a
distribuição das tarefas domésticas é um assunto que dá pano para mangas e que
está quase sempre envolto em alguma tensão.
No meu trabalho com casais,
deparo-me muitas vezes com queixas relacionadas com este assunto. De uma
maneira geral, elas sentem-se injustiçadas por terem de realizar muito mais
tarefas do que os homens e estes sentem-se injustiçados porque acreditam que
fazem tanto como as mulheres.
Quem tem razão?
Os números não mentem. Há
diversos estudos que mostram que as mulheres continuam a ter sobre os seus
ombros mais tarefas domésticas do que os homens, independentemente de também
trabalharem fora de casa. Por exemplo, segundo os dados do estudo “Homens,
papéis masculinos e igualdade de género”, os homens gastam oito horas por
semana em tarefas domésticas, enquanto as mulheres gastam 21. No que diga
respeito aos cuidados familiares, como o cuidado com os filhos, a divisão de
tarefas também não é equilibrada. Eles gastam 9 horas por semana com estes
afazeres, enquanto elas gastam 17.
É verdade que hoje os homens
participam muito mais ativamente nas tarefas domésticas do que há 20 ou 30
anos. É verdade que quase todas as mulheres reconhecem que podem contar com a
ajuda do companheiro. Mesmo no que diga respeito aos cuidados prestados às
crianças, houve uma mudança muito significativa nas últimas décadas: quase
todos os pais (homens) mudam fraldas, dão banhos, ajudam com os trabalhos de
casa, etc. Mas, no final das contas, continua a haver desequilíbrio. Aquilo que
é curioso é que a maioria dos homens acreditam que fazem mais tarefas do que,
na realidade, concretizam.
É uma questão de masculinidade?
Poder-se-ia pensar que esta é uma
questão que afeta sobretudo os países latinos, onde a masculinidade ainda é
colocada em causa por tudo e por nada mas a verdade é que até na Suécia, onde
há muitos pais que estão em casa a tomar conta dos filhos a tempo inteiro (sem
que isso belisque a sua masculinidade), as mulheres gastam em média mais 45
minutos por dia em tarefas domésticas do que os homens.
A verdade é que, para muitas
mulheres, a ideia de o marido passar a desempenhar mais tarefas é agridoce. Por
um lado, desejam-no mas, por outro, temem que as tarefas não sejam bem
desempenhadas. Não é tanto uma questão de acharem que eles não vão ser capazes.
É, sobretudo, uma questão de acharem que eles não vão fazer bem de propósito.
Uma das queixas mais frequentes
no meu consultório tem a ver com a falta de reconhecimento. Muitas mulheres
queixam-se porque, na sua ótica, o marido não “vê” a extensão do seu trabalho.
Sentem-se desvalorizadas. Na prática, muitas vezes aquilo que acontece é que há
efetivamente um grau de exigência diferente em relação à forma como as tarefas
são executadas. A maior parte das mulheres acabam por ser mais exigentes do que
a maior parte dos homens e estas diferenças podem ser interpretadas como falta
de interesse ou desvalorização.
Há tempos, no meu consultório uma
mulher queixava-se desta forma: «Aquilo que mais me irrita é ter de andar atrás
dele [marido], ter de completar aquilo que ele deixa inacabado. Tenho de limpar
a bancada depois de ele lavar a loiça. Tenho de retirar os legumes estragados
do frigorífico depois de ele arrumar as compras. Tenho de apanhar os pelos que
ficam espalhados pelo lavatório depois de ele desfazer a barba – ainda que ele
tenha tido o cuidado de varrer o chão e lhe pareça que o espaço ficou
impecável».
Estes conflitos acabam por
traduzir algumas diferenças em relação à forma como homens e mulheres são
educados. Independentemente da luta pela igualdade de género, a maior parte das
mulheres acabam por sentir que é sobre si que recairão as críticas se a casa
não estiver suficientemente limpa ou se os filhos não estiverem a receber os
devidos cuidados. Isso acaba por refletir-se no comportamento de homens e
mulheres: elas são muito mais obsessivas, mais atentas aos detalhes e eles são
muito mais relaxados. E também se reflete no volume de preocupações: são quase
sempre elas que se preocupam com tudo o que há para fazer e que se organizam no
sentido de nada ficar para trás. Ouço muitas vezes a queixa «Era bom que ele
fizesse [a tarefa X] sem que eu tivesse de lhe pedir». A maior parte dos homens
acabam por limitar-se a escolher algumas tarefas da lista definida pela mulher.
Se cada um for capaz de reconhecer
e dar voz às suas necessidades, é mais provável que surjam soluções de
compromisso que promovam o bem-estar de toda a família. Mas isso não tem de
equivaler a que o homem faça exatamente aquilo que a mulher considera que é
justo. Aquilo que quero dizer é que se é verdade que há tarefas que não podem
deixar de ser feitas – e que é bom que sejam distribuídas de forma equilibrada
-, também é verdade que, neste assunto, menos pode ser mais. Na prática, se os
membros do casal concordarem que nenhum dos dois tem tempo para aspirar o
carro, pode ser mais saudável aceitar que o carro passe semanas sem ser
aspirado em vez de alimentar braços-de-ferro sobre quem-fez-o-quê.