O que é a autocompaixão? Para que serve? Hoje escrevo sobre a ferramenta que tem revolucionado a intervenção em Psicoterapia e cujos resultados ultrapassam aqueles alcançados por programas promotores de autoestima.
Se pensarmos na forma como reagimos
às adversidades das pessoas que amamos, deparamo-nos quase sempre com um
elemento comum: quando percebemos que alguém de quem gostamos está a sofrer,
respondemos com bondade e compreensão. Mesmo que saibamos que as dificuldades
por que aquela pessoa está a passar foram, de alguma forma, provocadas por
escolhas suas, escolhemos quase sempre dar colo antes de criticar. Porque é que
nem sempre conseguimos fazer o mesmo quando somos nós que estamos a sofrer?
Porque é que somos quase sempre muito mais autocríticos?
O nosso cérebro está
programado para responder
às adversidades com hipervigilância. Essa é
uma das
características que tem garantido a
sobrevivência da nossa espécie. Quando há
problemas, a nossa mente fica alerta, obrigando-nos
a reagir. Mas aquilo que,
em muitos contextos,
funciona como um mecanismo de defesa,
também pode
transformar-se num inimigo.
Quando nos damos conta de que um
amigo está em sofrimento – porque perdeu o emprego, porque está em processo de
divórcio ou porque acabou de sofrer um enfarte do miocárdio depois de anos de
sedentarismo e maus hábitos alimentares -, apressamo-nos a responder com afeto.
Não passamos a mão pela cabeça das pessoas de quem mais gostamos, nem mostramos
a nossa pena. Mostramos que ele/ela tem o direito de se sentir “assim”, dizemos
que estamos “lá” e que pode contar connosco. Na maioria das vezes, damos um
abraço bem forte “só” para mostrar que estamos realmente solidários. Isto é
COMPAIXÃO.
A AUTOCOMPAIXÃO consiste em
tratarmo-nos exatamente com a mesma bondade e com a mesma compreensão com que
trataríamos um bom amigo ou alguém de quem gostamos muito. Mas, para que
sejamos bem-sucedidos e nos consigamos autoacalmar nas alturas desafiantes,
precisamos de praticar.
PRATICAR A AUTOCOMPAIXÃO
As práticas de autocompaixão
incluem três elementos:
1. O
mindfulness;
2. a
humanidade comum;
3. e
a bondade.
Mindfulness tem sido traduzido
para português como atenção plena ou consciência plena e consiste num conjunto
de ferramentas que nos permitem treinar o nosso cérebro no sentido de conseguir
estar genuinamente atento ao momento presente. A meditação mindfulness é
extraordinariamente simples, mas requer que nos disciplinemos e pratiquemos diariamente
para que colhamos frutos.
Quando começamos a praticar
mindfulness, passamos a conseguir reconhecer mais claramente os nossos reais
sentimentos e a dissocia-los da imensidão de pensamentos que quase sempre
povoam a nossa mente. Precisamos desta clareza para conseguirmos responder com
eficácia ao nosso sofrimento.
Ouço muitas vezes frases como «Eu
não tenho jeito para meditar» ou «Eu não consigo meditar», que
traduzem sobretudo desconhecimento e algumas ideias feitas sobre esta
ferramenta terapêutica. A verdade é que a meditação mindfulness não tem nada de
esotérico ou religioso e também não requer propriamente esforço ou alguma capacidade
especial. Para meditar, basta que tiremos alguns minutos por dia (todos os
dias) e que observemos o momento presente.
Partilho aqui uma meditação
guiada, com a duração de 10 minutos, que pode fazer toda a diferença para quem
procura acalmar a mente e eliminar os pensamentos negativos:
Lembro que é a prática regular que traz frutos. Da mesma maneira que precisamos de ir ao ginásio com regularidade para desenvolver os nossos músculos, é crucial que nos disciplinemos para trabalhar o “músculo” do cérebro.
2. Humanidade
Comum
Muitas vezes, a propósito de
alguns acontecimentos, dizemos a nós mesmos algumas coisas que nos deixam ainda
mais deprimidos. Se, na sequência de uma separação, de um mau desempenho
profissional ou da ansiedade antes de um exame inundarmos a nossa mente com
pensamentos do tipo «Porque é que isto ME está a acontecer?», «Sou um(a)
falhado» ou «O que é que as outras pessoas vão pensar de MIM?», o mais
provável é que acrescentemos sofrimento desnecessário ao sofrimento original. Estas
são frases que dificilmente dirigiríamos a alguém que amamos.
Pelo contrário, quando
conseguimos reconhecer que o sofrimento faz parte da vida de TODOS os seres
humanos, que TODAS as pessoas enfrentam dificuldades e inquietações, é mais
provável que consigamos olhar para a realidade de forma objetiva e que sejamos
capazes de arregaçar as mangas. Alguns acontecimentos são mesmo muito duros do
ponto de vista emocional.
Quando mergulhamos no
nosso sofrimento e
fazemos comparações com pessoas que estão à nossa
volta e
que nos parecem muito mais felizes e em paz,
ignoramos o facto de também elas serem
humanas e de,
em função disso, em determinada altura também
serem confrontadas com outras formas de sofrimento.
serem confrontadas com outras formas de sofrimento.
3. Bondade
Sempre que der por si a passar
por uma experiência geradora de sentimentos de culpa, vergonha, tristeza ou
medo, experimente fechar os olhos e imaginar como seria se alguém de quem gosta
muito (imagine uma pessoa específica) estivesse no seu lugar. O que é que
lhe diria? Que palavras utilizaria? Que tom de voz usaria? Experimente
dirigir essas palavras na sua própria direção – com bondade e empatia. Se
puder, coloque a mão no peito, perto do coração. Sinta o calor da sua mão e
canalize o seu genuíno afeto na sua direção.
A prática de autocompaixão pode parecer-lhe “estranha” e, pelo menos numa fase incial, é natural que se sinta desconfortável com a ideia de dizer “coisas bonitas” a si mesmo(a). É natural. Muitos de nós não estamos habituados a tratar-nos com a bondade e a compreensão com que tratamos as outras pessoas. Não desista. Continue a praticar, inspire-se nalguns vídeos (recomendo os da investigadora Kristin Neff) e usufrua desta poderosa ferramenta.