Quais são os desafios que os padrastos enfrentam? É positivo que o padrasto assuma o papel de pai? O que é que pode ser feito quando os filhos não aceitam o padrasto? E quando há conflitos com o Ex?
Estas foram algumas das questões a
que tentei responder numa entrevista a uma revista brasileira.
Hoje em dia, é muito comum os casais separarem-se e os filhos conviverem com os namorados/cônjuges dos pais. Do ponto de vista dos padrastos, quais os maiores desafios enfrentados atualmente?
Um dos maiores desafios para
qualquer padrasto tem a ver com a definição do seu papel na educação das
crianças e adolescentes. Quando uma nova família se forma, é natural que as
regras sejam definidas a dois, mas, quando há filhos de relações anteriores,
isso significa que aquelas crianças (ou aqueles adolescentes) foram criados de
acordo com determinadas regras. Quando o novo adulto discorda de algumas destas
regras, é natural que queira alterá-las. No entanto, não sendo o pai, pode ser
difícil lidar com a situação. A verdade é que a autoridade deve continuar a
ser implementada pelo pai e pela mãe. Ao novo casal compete sobretudo
dialogar abertamente sobre os sentimentos e necessidades de cada um de forma a
construir uma ligação estável. É à mãe que compete implementar novas regras, se
isso fizer sentido, respeitando sempre o ritmo dos filhos. Se houver demasiadas
mudanças em pouco tempo, é mais provável que haja tensão desnecessária.
No início da relação,
é mais prudente que o
padrasto seja visto como uma figura de afeto
do que como
uma figura de autoridade. Para isso,
é importante fomentar atividades que
ajudem a construir laços.
É mais fácil ser padrasto atualmente ou antigamente?
Apesar de toda a tensão que
continua a estar associada ao início destas relações, atualmente a figura do
padrasto está mais banalizada, o que acaba por ser um fator desbloqueador. No
passado havia menos divórcios e os padrastos eram mais facilmente vistos como
figuras que ameaçavam a reconstrução do casamento original.
Como é que os padrastos devem agir quando não são aceites pelos enteados?
É importante que os adultos se
comportem como adultos e que haja empatia em relação às crianças e adolescentes
por oposição a qualquer braço-de-ferro. As crianças tendem a ligar-se
facilmente aos adultos, desde que não os vejam como ameaçadores. Mas o
divórcio é uma perda esmagadora para todos e o início de uma nova relação pode
envolver um processo de luto em relação à fantasia de voltar a ver o pai e a
mãe juntos.
Os adultos não devem obrigar os
filhos a gostar do padrasto. Devem, isso sim, obriga-los a respeitá-lo. Com o
tempo, e à medida que os filhos se sintam respeitados, é mais provável que essa
aceitação surja.
Como referi antes, uma das
escolhas promotoras de uma ligação saudável é o investimento em atividades que
incentivem a criação de laços afetivos. É importante que os adultos se lembrem
de que foi a mãe que se apaixonou, não foram os filhos. Os laços não se
solidificam de forma instantânea. Requerem tempo e investimento. Se os filhos
olharem para o padrasto como um amigo em quem podem confiar, é mais provável
que mais tarde também o vejam como uma figura de autoridade.
E a mãe? Como deve agir diante desta situação?
Uma das coisas de que a mãe deve
lembrar-se é de continuar a reservar tempo para concretizar atividades sozinha
com os filhos. Às vezes, com a melhor intenção do mundo, a mãe procura criar
programas onde todos os membros da nova família se possam divertir juntos, mas
os filhos continuam a precisar de tempo em que recebam a atenção exclusiva da
mãe e não tenham de a dividir com o seu parceiro romântico. Alguns programas a
dois podem ser feitos quando os filhos estão com o pai, por exemplo.
Se as crianças se
sentirem seguras de que
continuarão a sentir-se especiais aos olhos da mãe,
é
mais provável que consigam ligar-se ao padrasto.
Quando o padrasto desempenha o papel de pai: é bom ou mau para a criança?
Em geral, essa não é a melhor
opção, sobretudo na medida em que haja um pai presente na vida da criança.
Nenhum filho deseja olhar para o padrasto como um substituto do pai. Nalguns
casos, isso acaba por acontecer, de forma saudável, mas muito gradual. Quando o
padrasto começa por ser uma figura de afeto, um amigo que está sempre “lá” e em
quem a criança confia, pode transformar-se numa figura parental tão ou mais
importante do que um pai.
Como é que se pode evitar conflitos entre o pai e o padrasto?
Uma das formas de evitar
conflitos consiste na implementação de uma comunicação clara e genuinamente
compassiva. Muitos pais sofrem com a impossibilidade de estarem tanto tempo com
os filhos quanto as mães e sentem-se inseguros e ameaçados pelo aparecimento de
um padrasto. Se as regras continuarem a ser definidas de forma clara e a dois
(entre o pai e a mãe), se houver transparência e empatia, é mais provável que
todos os adultos consigam conviver de forma saudável.
E quando a criança gosta mais do padrasto do que do pai? Como é que o padrasto deve agir para evitar os ciúmes do pai?
O padrasto pode estar em aparente
vantagem em relação ao pai se passar mais tempo com a criança, mas, de um modo
geral, os filhos não perdem o vínculo com os pais. Se o pai continuar a poder
estar presente na vida dos filhos e todos os adultos estiverem genuinamente
empenhados em oferecer às crianças a possibilidade de alimentarem o vínculo com
os dois lados da família, tudo se resolve.
Quais são as melhores dicas para melhorar a relação entre o padrasto, o pai, a mãe e os filhos?
A melhor dica é propor que cada
um coloque a si mesmo a pergunta «Qual é a escolha que promove o bem-estar
das crianças?» antes de cada decisão. Quando um dos adultos assume uma
posição impulsiva, provocadora ou infantil, é natural que o outro tenha vontade
de responder na mesma moeda. Mas será que isso facilita a vida dos filhos ou
dificulta? Cada pai ou mãe tem a possibilidade de parar para refletir sobre as
escolhas que, daqui a vinte ou trinta anos, o/a ajudarão a olhar para trás e
sentir-se orgulhoso(a) do seu papel.
Às vezes, pode ser preciso
recorrer a um profissional de terapia familiar para conseguir olhar com
serenidade e compaixão para as necessidades de cada um.
E quando o novo casal resolve ter filhos? Como fazer com que os irmãos (de diferentes pais e, muitas vezes, educados de forma diferente) se entendam?
Este é um grande desafio para todas
as famílias reconstituídas. Uma das coisas que os adultos podem fazer é
mostrarem-se disponíveis para reconhecer, com gentileza, as emoções das
crianças, em vez de se limitarem a corrigi-las e a criticá-las. As crianças
podem assumir comportamentos mais desafiantes quando se sentem inseguras. Às
vezes, só precisam de alguns momentos de atenção exclusiva, da verbalização do
amor incondicional dos pais e de se sentirem ouvidas.