Se está sistematicamente a discutir com o(a) seu(sua) companheiro(a) sobre o mesmo assunto, há uma forma de parar com o círculo vicioso. E não é o que você está a pensar.
Há casais que chegam até ao meu
consultório com uma queixa comum: independentemente do amor que os une, há
discussões que se repetem, sem que consigam chegar a uma solução. Pelo meio, há
quase sempre muito sofrimento, muitas tentativas de resolver o problema e muita
tensão.
Eis um exemplo:
Pedro diz que ele e a mulher
raramente discutem, mas quando o fazem, é sempre pelo mesmo motivo. Ele é muito
mais sociável do que a mulher e, se pudesse, aceitaria a maior parte dos convites
que recebe para estar com familiares e amigos. Rita, a mulher, raramente quer
sair com outras pessoas e não gosta de receber familiares e amigos em casa. «O
que é que nós podemos fazer para resolver isto?», perguntava-me.
A frustração de Pedro é comum a
muitas outras pessoas. Na prática, sempre que os membros do casal têm
perspetivas muito diferentes sobre um assunto importante, isso transforma-se
num desafio (e num potencial problema). Para Pedro, a questão resumir-se-á da
seguinte forma: «Não percebo o que é que se passa com ela. Qual é o problema de
receber pessoas em casa ou sair para jantar?».
Discussões que se repetem: um problema comum
É possível que se identifique com
o problema de Pedro e Rita. Talvez não seja habitual discutir sobre este
assunto específico, mas talvez dê por si a pensar «Eu também costumo
discutir com o(a) meu(minha) companheiro(a) sobre um assunto que se resolveria
facilmente se ele(a) não fosse tão casmurro(a)». Quase todos os casais se
identificam com este padrão.
Uma das coisas que os
estudos com casais revelaram
foi que cerca de setenta por cento dos problemas
conjugais se encaixa na categoria de problemas
perpétuos. Na prática, quando
escolhemos um(a)
companheiro(a), também escolhemos um conjunto
de problemas para
os quais não vamos
encontrar uma solução.
Mesmo entre os casais mais
felizes, só 30 por cento dos problemas conjugais são questões solucionáveis.
O que está (realmente) por trás das discussões.
De um modo geral, quando os
membros do casal se sentem “presos” a discussões que se repetem, é preciso
analisar aquilo que está por detrás do assunto em questão. Uma discussão pode
ser muito mais profunda do que parece e alguns braços-de-ferro são apenas a
face visível do problema.
É por isso que, antes de tentar
encontrar soluções de compromisso para resolver o problema, é preciso tentar
perceber as reais necessidades de cada um primeiro.
Ainda que você acredite que tem
razão (como Pedro acreditava que a sua opinião era a mais razoável), procure
questionar:
Quais são as
verdadeiras necessidades que estão aqui em jogo?
Do que é que eu
preciso?
Do que é que o(a)
meu(minha) companheiro(a) precisa?
Porque é que este
assunto é tão importante para mim/ para ele(a)?
Quando investimos o nosso tempo,
trazemos a nossa genuína curiosidade para a reflexão e mostramos
disponibilidade para escutar a pessoa que amamos, é mais provável que nos
sintamos conectados e que, em função disso, consigamos chegar a algum
compromisso.
No caso de Pedro e Rita, quando a
mulher recusava estar com outras pessoas, Pedro sentia-se confuso e preterido:
«Lá vem ela, sempre a tentar fazer as coisas à sua maneira, sem querer saber
dos meus sentimentos. É como acontecia na minha infância – os meus pais
impunham uma série de regras estúpidas e eu limitava-me a ter de obedecer». Por
outro lado, Rita sentia-se inundada de ansiedade: «Cada reunião com amigos é
uma fonte de stress para mim. A minha mente é invadida por mil questões – será
que a casa está arrumada? Vou estar à altura das conversas? Vou conseguir ser
suficientemente interessante? É como se estivesse sistematicamente a voltar aos
tempos de escola e ao ambiente feroz em que cresci».
As experiências que vamos vivendo
vão-nos moldando e, mesmo que alguns assuntos deixam de ser traumáticos, acabam
por condicionar a nossa personalidade e as nossas preferências.
A maior parte dos casais acabam
por descobrir diferenças significativas na forma como se sentem e na forma como
gerem determinados assuntos. É provável que essas diferenças surjam
repetidamente, porque as nossas preferências são relativamente estáveis e não
são melhores nem piores do que as da pessoa que está ao nosso lado, são apenas
diferentes.
Estas tentativas de melhorar a
comunicação funcionam melhor se os membros do casal procurarem que ambos se
sintam ouvidos e compreendidos. Para isso, é fundamental que cada um dê o seu
melhor para que, de forma paciente, possa escutar o(a) companheiro(a) até que
ele(a) se sinta realmente compreendido(a).
É importante tentar
conhecer a história completa
antes de se apressar a dar a conhecer o seu lado.
Lembre-se de que NÃO há um lado
certo e um lado errado.
Tanto no caso de Pedro e Rita
como na maioria dos casais, os dois lados do conflito são válidos. É
preciso aceitar as diferenças porque dessa aceitação (e da genuína empatia)
resulta invariavelmente menos tensão e maior disponibilidade para encontrar
soluções de compromisso.
Na prática, quando conhecemos os
sentimentos profundos da pessoa que está ao nosso lado e as suas necessidades
afetivas, é mais provável que pensemos «Sei que isto é importante para ele(a) e
estou disposto(a) a sair da minha zona de conforto para o(a) deixar mais feliz/
mais seguro(a)». Nalgumas situações é um que cede; noutras será o(a) companheiro(a)
e as decisões vão sendo tomadas caso a caso.
Rita jamais será a pessoa
sociável que Pedro gostaria que fosse e vice-versa. Mas isso não significa que
Rita não possa ceder em situações específicas que sejam claramente importantes
para o marido. E até pode fazê-lo com prazer. A ideia é: «Sei que isto é
importante para ti e, por isso, faço esta escolha».
Da mesma maneira, haverá alturas
em que Pedro pode optar por respeitar a natureza da mulher: «Sei que ela teve
uma semana stressante e prefere passar o fim-de-semana em casa em família.
Talvez possamos combinar alguma coisa com os nossos amigos noutra altura».
Uma das estratégias que pode
ajudar a decidir, caso a caso, é perguntar:
De 1 a 10, que importância é que
isto tem para mim/ para o(a) meu(minha) companheiro(a)?
Esta pequena reflexão pode ajudar
a desbloquear os braços-de-ferro. Lembre-se de que não é uma questão de decidir
quem ganha e quem perde. É uma questão de determinar aquilo que cada um pode
fazer para ajudar o outro a ser mais feliz.