Quais são as causas da maioria dos divórcios?
Tal como explico no meu mais
recente livro, “Continuar a Ser Família Depois do Divórcio”, nem todas as
pessoas conseguem explicar de forma clara e simples porque é que se
divorciaram. E, mesmo que o façam, não significa que a sua versão dos acontecimentos
corresponda ao quadro completo.
Mesmo quando há situações
concretas, como uma relação extraconjugal, dificuldade em ultrapassar um
acontecimento específico como a infertilidade, problemas de relacionamento com
a sogra, dificuldades financeiras ou diminuição do desejo sexual, existem
sempre pelo menos duas perspetivas. A realidade é sempre mais complexa do que
parece e nem sempre é fácil identificar as necessidades que foram ficando por
preencher. De resto, e ao contrário do que acontecia há alguns anos, já não são
só os casais infelizes que se divorciam. Hoje divorciamo-nos para sermos
MAIS felizes. Vivemos em busca de mais e melhor e, quando nos damos conta
de que podemos ser mais felizes do que somos na relação em que estamos,
arriscamos. Isso também está relacionado com a mudança de paradigma em relação
às relações de compromisso. Os nossos antepassados casavam e, muitas vezes, nem
sequer havia amor romântico envolvido. Depois passámos a casar por amor com a
convicção de que seria para a vida toda. E atualmente comprometemo-nos enquanto
continuarmos a sentir-nos suficientemente vivos e entusiasmados naquela
relação.
Vivemos num período em que somos
tremendamente livres para amar, para escolher e para romper e, simultaneamente,
é-nos cada vez mais difícil cumprir o sonho de viver um amor para a vida toda.
De resto, os motivos por detrás
de uma separação são aproximadamente os mesmos dos que podem estar por detrás
de uma infidelidade e estão relacionados com as necessidades que vão ficando
por preencher – quer reparemos nelas, quer não.
DIVÓRCIO: AS CAUSAS
Desconexão emocional
Algumas pessoas nem se apercebem
de que vivem em piloto automático: acordam, trabalham, cuidam dos filhos,
cumprem as suas obrigações e vão deixando a relação conjugal para segundo plano.
Não é que não queiram namorar. Querem e muitas vezes até se esforçam para criar
momentos especiais. O que acontece é que esses momentos são demasiado raros
para que possam ser chamados de rituais. E todas as relações precisam de
rituais, aqueles momentos que são tão bons que escolhemos repeti-los vezes sem
conta.
Quase todos os casais começam por
ter estes rituais – é praticamente instintivo. Mas quando nos vamos distraindo
e deixamos de prestar atenção ao que o outro tem para dizer, quando preferimos
ver um episódio da nossa série preferida em vez de contrariarmos o cansaço e
inventarmos tempo para namorar, quando inundamos a pessoa que escolhemos de
críticas e obrigações e nos esquecemos de lhe perguntar, com genuína
curiosidade, «Como foi o teu dia?», a distância emocional vai aumentando.
Quase todas as pessoas tentam
contrariar a azáfama dos dias, tentam revelar-se, tentam fazer os seus apelos
de forma clara. Mas é tão fácil ignorar estes apelos e nem dar por isso. Claro
que quando são os nossos próprios apelos que são ignorados ou, pior do que
isso, desvalorizados, é difícil esquecer a mágoa.
Como estas estratégias de
sobrevivência são pontuadas pelas tentativas de cada um de obter a atenção do
outro, a frustração e a sensação de que «não vale a pena» vão-se instalando.
Tenho trabalhado cada vez mais
com pessoas que se separam após vinte ou mais anos de casamento. Em muitos
destes casos, a desconexão não aconteceu de um dia para o outro. Foi
acontecendo de forma gradual. E, muitas vezes, os membros do casal foram
aprendendo a viver assim. Mas o facto de vivermos cada vez mais tempo, o facto
de estarmos cada vez mais atentos ao nosso bem-estar e àquilo que nos faz
felizes e o facto de, a partir de determinada idade, estarmos mais centrados em
aproveitar o que quer que a vida tenha para nos oferecer e menos preocupados
com o que os outros possam pensar, faz com que haja mais pessoas a escolher
divorciar-se após décadas de casamento.
Afastamento físico
Quando observa um casal
apaixonado, no que é que repara? Se prestar atenção, há quase sempre um
elemento comum: aquelas duas pessoas tocam-se com frequência e mostram através
dos gestos o quanto se desejam. Não há necessariamente uma conotação sexual
nestas carícias, mas é difícil dissociá-las da paixão. A diminuição
significativa destes gestos de afeto é um dos principais sinais de alarme, sobretudo
em casais jovens. Sabemos que uma relação já teve melhores dias quando
constatamos que aquelas duas pessoas raramente se tocam.
Para muitos casais, esta é a
realidade: deixou de haver romantismo, deixou de haver desejo, deixou de haver
gestos de afeto. Muitas vezes, a intimidade emocional está lá e até pode haver
aquilo a que eu chamo de “familiaridade excessiva”, isto é, os membros do casal
são tão próximos que deixou de haver espaço para o mistério e para a sedução.
Algumas das pessoas com quem trabalho referem-se a esta questão dizendo que
passaram a ter uma relação «de irmãos». Continua a haver carinho, mas deixou de
existir romance. Nestes casos, o processo de separação é particularmente
doloroso. Tenho conhecido muitas pessoas absolutamente destroçadas com a ideia
de terminarem o seu casamento e, assim, causarem mágoa a alguém que tanto amam.
Pode não haver amor romântico, mas muitas vezes continua a haver amor, ainda
que não seja suficiente para que ambos consigam viver felizes naquela relação.
Aparecimento de uma terceira
pessoa
Não sendo a maioria, há
evidentemente casamentos que acabam devido ao aparecimento de uma terceira
pessoa. Ainda assim, é-me difícil olhar para este acontecimento como uma causa,
dissociando-o do que aconteceu à própria relação. Aquilo que quero dizer é que,
de uma maneira geral, a relação com a terceira pessoa vem, sobretudo, chamar
a atenção para as necessidades que foram ficando por preencher na relação
oficial – mesmo que a pessoa que entretanto se apaixonou por outra não se
tenha queixado. Por norma, há necessidades que vão ficando por preencher, mesmo
que a própria pessoa as ignore. Quando surge alguém que olha para nós, que
presta atenção àquilo que sentimos, que repara nos detalhes, que nos elogia de
forma sincera, que nos incentiva a lutar pelos nossos sonhos e/ou que nos
desafia, sentimo-nos especiais. Isto também pode acontecer quando estamos
felizes na nossa relação. Mas, nesse caso, é mais provável que reflitamos sobre
aquilo que é preciso fazer para que nos sintamos mais ligados, mais vivos e
menos vulneráveis a uma traição.
Quando aparece alguém que nos faça sentir
vivos,
que nos lembre como é bom sentirmo-nos
especiais aos olhos de alguém, é
natural que o nosso
mundo abane. Se isso acontecer numa altura em que
a relação
conjugal está desgastada – física e/ou
emocionalmente – a probabilidade de
haver uma
relação extraconjugal aumenta substancialmente.
Problemas com a família
alargada
Para alguns casais, as
dificuldades de relacionamento com a família alargada estão na origem do
distanciamento emocional que, mais tarde, acaba por dar origem ao divórcio.
Na maior parte dos casos a que
tenho acedido, as dificuldades estão relacionadas com a interferência excessiva
da família alargada e/ou com a dificuldade em estabelecer limites.
Quase todos os pais e mães têm a
expectativa de continuar a fazer parte da vida dos filhos, mesmo depois de eles
saírem de casa. E não há nada de errado nisso. Mas quando a relação entre pais
e filhos parece ter mais força do que o compromisso conjugal, é mais provável
que haja braços-de-ferro, conflitos e distanciamento emocional.
Problemas financeiros
Quando há um (ou mais)
acidente(s) de percurso que nos obrigue(m) a repensar os nossos planos e que
nos confronte(m) com dificuldades financeiras sérias, é muito fácil essa
situação prejudicar a relação amorosa.
Não é só a falta de dinheiro. É,
sobretudo, a dificuldade em lidar com a tristeza, a frustração, as oscilações
de humor e as expectativas de cada um.
Tenho conhecido muitos casais que
não resistiram ao embate provocado por dificuldades financeiras associadas às
múltiplas reviravoltas que a vida pode trazer. Situações de desemprego,
falência, burla, doença, endividamento são quase sempre desafios que colocam à
prova a união de um casal.
Educação dos filhos
Mais cedo ou mais tarde, todos os
pais e mães se dão conta de que ter um filho é ter alguém que depende de nós em
termos de saúde, bem-estar, segurança, estabilidade emocional e um número
infindável de outras questões. Conjugar o amor incondicional que sentimos com o
medo de alguma coisa não correr bem é dos maiores desafios que podem surgir na
vida. Para algumas pessoas, os primeiros anos são particularmente stressantes –
não apenas porque se sentem mais cansadas, mas sobretudo porque estão em
processo de adaptação a todas as responsabilidades que estão associadas ao
papel parental. Quando um dos membros do casal dedica mais tempo do que o outro
à educação dos filhos, é natural que haja alguma desconexão. De repente, tudo o
que é superficial, acessório, imaturo ou irresponsável é alvo de rejeição em
nome da segurança que se quer proporcionar aos filhos. Como estas mudanças não
acontecem sempre ao mesmo tempo para os dois membros do casal, é fácil
adivinhar as dificuldades de comunicação e a sensação de desunião.
Relações abusivas
No meu trabalho como psicóloga
tenho conhecido muitas pessoas, maioritariamente mulheres, que viveram durante
anos relações aparentemente saudáveis, algumas teoricamente quase perfeitas e
que, na intimidade, foram muito maltratadas. Nalguns casos, mesmo depois da
separação, a pessoa que foi vítima de violência emocional continua a
questionar-se sobre o seu comportamento, sobre os erros que cometeu e/ou sobre
aquilo que poderia ter feito para salvar a relação.
Costumo dizer que, numa relação
abusiva, coexistem duas realidades: aquela em que a pessoa vítima de abusos
vive e que acredita ser partilhada pelo companheiro, e aquela que vai sendo
construída na cabeça da pessoa que pratica os abusos. No início de qualquer
relação, sentimo-nos especiais, sentimo-nos desejados e vivemos com a profunda
convicção de que a pessoa que está ao nosso lado quer ver-nos felizes. Isto
também acontece nas relações abusivas. Mas entre aquilo que é dito e aquilo que
é feito há uma diferença substancial.
De uma
maneira geral, as pessoas que são física
ou emocionalmente violentas constroem
uma
espécie de guião, como num filme, e olham para
a pessoa que está ao seu
lado como uma personagem
que deve ser capaz de se comportar de acordo
com as
suas expectativas.
Quando isso não acontece, porque
cada pessoa tem vontade própria, interesses próprios, sentimentos próprios, há
ameaças mais ou menos subtis, chantagem emocional, humilhações, sabotagem e
outros exercícios de manipulação. Vale tudo para impor a própria vontade e
fazer com que a outra pessoa se subjugue, se anule, se sinta culpada e obrigada
a fazer as escolhas “certas”. Como nada disto acontece de forma clara e até,
pelo contrário, vão surgindo períodos de lua-de-mel e muitos comentários
manipuladores – «É para o teu bem», «Se tu gostasses mesmo de mim…», «És
demasiado sensível…» –, a pessoa que é vítima de abusos emocionais nem sempre é
capaz de reconhecer a realidade em que está envolvida.