Por que continua a haver diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito às tarefas domésticas? E que impacto é que essas diferenças têm na vida conjugal?
Recentemente fui entrevistada
para a revista Visão a propósito de um estudo que indicava que, em Portugal,
continua a haver diferenças de género na concretização das tarefas domésticas.
Neste estudo, homens e mulheres assumiram que muitas tarefas – como passar a
ferro, lavar e estender a roupa ou cozinhar – estavam maioritariamente a cargo
das mulheres. A exceção é a bricolage e as reparações (maioritariamente a cargo
dos homens). Além disso, a maior parte dos homens e mulheres entrevistados
assumiram que são as mulheres que normalmente ficam em casa com os filhos
doentes e que também são elas que mais frequentemente são prejudicadas na
carreira a propósito da distribuição das tarefas domésticas.
Tarefas domésticas: Que diferenças de género existem?
À margem deste estudo agora
divulgado, há outros que já tinham demonstrado a existência de assimetria entre
homens e mulheres nesta área da conjugalidade. Por exemplo, noutras
investigações verificou-se que a discrepância entre o tempo que cada um
dedicava às tarefas domésticas era muito significativa. Isto é, o tempo que
estas tarefas “roubam” à carreira, aos hobbies ou à individualidade continua a
ser muito superior nas mulheres. Isto não tem a ver com o tempo que homens e
mulheres levam a concretizar tarefas específicas. Traduz, isso sim, um
desequilíbrio em termos de distribuição.
Curiosamente, também há estudos
que demonstram que a maioria dos homens tende a considerar que faz mais do que,
acontece na realidade. A verdade é que a maior parte dos homens têm uma
perceção enviesada da carga associada às diferentes tarefas domésticas,
acabando por “ajudar” a aliviar essa carga, mas ignorando que não há uma
partilha equilibrada.
Tarefas domésticas: As diferenças entre homens e mulheres acontecem por “culpa” das mulheres?
Embora seja tentador atribuir a
responsabilidade destas diferenças às mulheres, é importante olhar com atenção
para aquilo que acontece na prática. A verdade é que a maior parte das mulheres
adultas que vivem em união foram educadas de forma significativamente diferente
dos homens com quem vivem e, na maioria das vezes, estão efetivamente
habituadas a fazer a maior parte das tarefas (ao contrário deles). Mas isso não
significa que chamem a si a esmagadora maioria das tarefas sem “dar luta”. Na
verdade, aquilo que observo na minha prática clínica é que a maioria das
mulheres não só reivindicam uma divisão equilibrada, como dão o seu melhor para
que não haja diferenças de género na educação dos seus filhos. Os meninos e
meninas de hoje são mais incentivados a participar nas tarefas domésticas de
forma equilibrada.
A maior parte das mulheres
precisam de tempo para a individualidade, para fazerem aquilo de que gostam e para
a progressão na carreira. Quando não há uma divisão equilibrada das tarefas
domésticas, é importante que sejam capazes de mostrar aquilo que sentem e
aquilo de que precisam. Por outro lado, é importante que, na azáfama do dia a
dia, haja tempo e discernimento para reconhecer que, se houve diferenças na
forma como os membros do casal foram educados, não é expectável que a maior
parte dos homens reconheçam a carga (física e mental) associada a todas as
tarefas domésticas ou que as saibam concretizar com a mesma rapidez e eficácia.
É muito fácil entrar em círculos
viciosos em que elas “atacam” e eles fogem dos conflitos. Quando isto acontece,
o desequilíbrio eterniza-se e a probabilidade de haver insatisfação e
ressentimento é muito maior.
Chegam muitas queixas deste tipo ao consultório?
A maior parte das queixas que
chegam até mim através da terapia de casal prendem-se sobretudo com a falta de
reconhecimento, de valorização e com a carga mental associada às tarefas
domésticas. A maioria das mulheres não reivindicam que os companheiros saibam
fazer todas as tarefas, mas sentem-se pouco reconhecidas ou desvalorizadas.
Mais: em relação a algumas tarefas, queixam-se da carga mental associada e do
facto de os companheiros desconhecerem a existência dessa carga. A verdade é
que semanalmente há listas de compras para fazer, há refeições para preparar,
há mochilas cujo conteúdo varia em função de diferentes atividades
extracurriculares, há pagamentos, viagens de estudo, consultas, reuniões e
outros compromissos que estão maioritariamente sobre os ombros das mulheres.
Claro que também há muitas
queixas a propósito da assimetria na carga física associada à distribuição das
tarefas – não é só uma questão de falta de reconhecimento.
Aquilo que importa é que cada
casal esteja genuinamente disponível para se adaptar às diferentes etapas do
ciclo de vida e que cada uma das pessoas se mantenha genuinamente interessada
em prestar atenção aos sentimentos e às necessidades do(a) companheiro(a).
Na era dos movimentos como #metoo, porque continuam mulheres emancipadas a fazer tudo?
Como referi antes, a educação
continua a ter um papel fundamental. Os adultos de hoje não cresceram com o
#metoo. Pelo contrário, a maior parte dos homens com mais de 40 anos não foram
incentivados a fazer quaisquer tarefas domésticas. Por outro lado, de uma
maneira geral, as mulheres são mais altruístas, pelo que mais facilmente
abdicam da carreira ou da individualidade em nome dos cuidados prestados aos
filhos ou da concretização de outras tarefas domésticas.
A verdade é que estas mudanças
também dão trabalho e requerem algumas conversas significativas. Na azáfama dos
dias, é mais fácil dar um par de berros e, sem querer, alimentar o círculo
vicioso. Ter conversas sem zangas, em que cada um possa falar abertamente sobre
os próprios sentimentos e mostrar aquilo de que precisa é muito mais
trabalhoso. Às vezes, é na consulta de terapia de casal que cada um encontra o
espaço seguro para expor estes apelos e, assim, dar início a mudanças que podem
melhorar muito a vida conjugal e familiar.