Em tempos de Covid-19 e isolamento, a terapia online é a única forma de receber ajuda especializada no que toca à saúde psicológica. Será que funciona? Como é que se processa? É para todos? Como é que sabemos que podemos confiar?
Há muitos anos que dou consultas
através da Internet. Até há um ano, essa era a exceção na minha prática
clínica e estava reservada sobretudo para os portugueses que vivem fora do país
e para algumas pessoas que, apesar de viverem em Portugal, têm dificuldade em encontrar
um psicólogo/ terapeuta conjugal perto da área de residência ou que
simplesmente vivem num meio demasiado pequeno, onde todos se conhecem.
Apesar de preferir as consultas
presenciais, habituei-me desde cedo a este formato e percebi que a minha ajuda
poderia ser muito significativa para quem, por questões logísticas, pudesse
sentir-se ainda mais vulnerável. Tenho acompanhado portugueses em países tão
longínquos quanto a Arábia Saudita, Angola, Canadá ou os Estados Unidos e
muitos espalhados pela Europa. Em comum têm a vontade de receber ajuda na
língua em que se expressam melhor. No caso dos portugueses a viver em meios
pequenos, é fácil perceber a diferença que poderia fazer consultar um psicólogo
local. Não é uma questão de a confidencialidade das consultas estar em causa. Tem
a ver com a exposição de entrar numa clínica e só por isso ser motivo de
conversas e rumores. Isso é ainda mais difícil quando falamos de terapia conjugal.
Com a chegada do Covid-19 a
Portugal, comecei por reconhecer que o contacto presencial com as pessoas que
acompanho nos poderia colocar a todos numa situação vulnerável e passei a realizar
as consultas através de videoconferência. Dias depois, a Ordem dos Psicólogos
emitiu um comunicado em que dizia que todos os profissionais da área deveriam
passar a fazer o seu trabalho neste formato. Entretanto, tornou-se óbvio que
esta seria mesmo a única forma de nos protegermos.
Para quem nunca fez consultas
online, a ideia pode gerar confusão. Afinal, como é que se processa uma
consulta de Psicologia clínica ou de Terapia de Casal online? De que forma se
pode garantir a confidencialidade e a segurança das consultas? Será que as
consultas neste formato funcionam tão bem como as consultas presenciais?
A Terapia online funciona?
Sim. As consultas de Psicologia e
terapia familiar são tão eficazes quanto as consultas presenciais. Não é
uma questão de opinião. Há diversos estudos que nos mostram essa eficácia.
- Há investigações que mostram que a terapia cognitivo-comportamental, que permite estimular a consciência sobre padrões de pensamentos negativos ajudando os pacientes a responder a situações desafiantes, é tão eficaz por videoconferência quanto pela via presencial.
- Um estudo mostrou que os adolescentes que realizaram consultas por telefone para a perturbação obsessivo-compulsiva obtiveram tanto sucesso no tratamento quanto os colegas que foram acompanhados presencialmente.
- Uma investigação mostrou que os veteranos que sofrem de perturbação pós stress traumático respondem tão bem à terapia por videoconferência quanto ao tratamento recebido no consultório.
No caso da terapia de casal, há
claramente uma vantagem nas consultas online: a gestão do tempo. A maior parte
dos casais que acompanho são pessoas ocupadas, com dificuldade em conciliar
agendas e assegurar que alguém tome conta das crianças durante duas ou três
horas. A consulta dura cerca de uma hora e meia, mas, se juntarmos as
deslocações, nem sempre é fácil encontrar tempo para que a sessão seja
realizada. Quando as consultas são realizadas por videoconferência, contornam-se
mais obstáculos e a probabilidade de o casal conseguir comprometer-se de forma
consistente com a terapia é muito maior.
Mas há outra vantagem ainda mais significativa:
a diminuição do stress. Não há volta a dar: por mais simpático(a) que o(a)
terapeuta seja, há quase sempre mais ansiedade quando temos de nos deslocar a
uma clínica.
Posso confiar no profissional que
está do outro lado do ecrã?
Nos dias de hoje, não faz sentido
fazer escolhas clínicas arriscadas. Se não se sente seguro(a) de que o(a)
psicólogo(a) que está a pensar contactar seja o(a) mais indicado(a) para si, há
alguns passos que pode/deve dar:
- A Ordem dos Psicólogos dispõe de uma lista de todos os profissionais registados e autorizados a exercer em Portugal. Certifique-se de que é acompanhado(a) por um(a) psicólogo(a) inscrito na Ordem.
- Converse com o seu médico de família e peça uma recomendação. Os médicos de família estão habituados a fazer o encaminhamento para consultas de especialidade e poderão ajudar a encontrar a melhor alternativa.
- Se se sentir confortável, peça uma referência a um(a) amigo(a) ou a um familiar. Não há nada como a certeza de que alguém já foi bem-sucedido no acompanhamento psicológico com determinado(a) profissional.
- Faça perguntas. Antes de marcar uma consulta, faça uma lista com todas as suas dúvidas. Telefone ou envie um e-mail para o(a) psicólogo(a) que está a pensar consultar. Estas respostas ajudá-lo(a)-ão a fazer a sua escolha. Se não obtiver resposta, isso também o(a) ajudará a fazer a sua escolha 😊.
Com o que é posso contar na terapia online?
As consultas por videoconferência
funcionam de forma idêntica às consultas presenciais. Do outro lado do ecrã
está um(a) psicólogo(a) isolado(a) no(a) seu gabinete e capaz de assegurar a confidencialidade
da consulta. Tal como acontece nas consultas presenciais, a empatia e a
ligação são elementos fundamentais para o sucesso da terapia. Se não se
sentir confortável com algum aspeto da consulta, procure expor a sua perspetiva.
Na primeira consulta, o(a)
psicólogo(a) informa e explica de forma clara como é feita a recolha e registo
dos dados clínicos e, no final, partilha uma declaração de consentimento
informado que deve ser assinada/ validada pelo(a)(s) paciente(s).
De uma maneira geral,
é nesta altura que se elabora
o “contrato terapêutico”, isto é: há um acordo em
relação aos objetivos terapêuticos, periodicidade e
duração das consultas,
propostas de exercícios
e formas de pagamento.
Tal como acontece nas consultas
presenciais, é legítimo que queiramos obter mudanças rápidas e que nos sintamos
desmotivados se elas demorarem a surgir. A minha experiência mostra-me que na
maioria das situações há um alívio e um otimismo que resultam logo das
primeiras consultas, mas as mudanças mais sólidas envolvem tempo e compromisso.
O início de um processo terapêutico
– individual ou familiar – envolve quase sempre muito desgaste e
vulnerabilidade. Marcar a primeira consulta é um primeiro grande passo. É uma
forma de mostrar a si mesmo(a) que quer cuidar de si, da sua relação ou da sua
família. Pode não ser sempre fácil e algumas consultas até podem ser “duras”
por tocarem em feridas profundas, mas aquilo que é expectável é que um(a)
psicólogo(a) treinado(a) o(a) ajude a aproximar-se gradualmente dos seus
objetivos e a sentir-se mais seguro(a), mais feliz e mais capaz.