Um casamento pode ficar melhor do que era antes de uma infidelidade? Ou isso é só mais um mito propagado por quem quer legitimar as traições? Afinal, uma traição é uma crise por que ninguém quer passar, mas, ao mesmo tempo, ouvimos dizer de forma sistemática que todas as crises são oportunidades de crescimento.
Há tempos, numa consulta de
terapia conjugal, o marido dizia «O cancro foi a melhor coisa que nos aconteceu
enquanto casal», referindo-se à doença por que a mulher tinha passado e
vencido. Naquele instante, reconheci o choque no olhar da mulher, ainda que,
nas suas próprias palavras, a doença tenha servido como um ponto de viragem que
aconteceu precisamente numa altura em que estavam prestes a separar-se. O
turbilhão de emoções por que passaram obrigou-os a rever prioridades, a
repensar uma série de escolhas e a olhar para o casamento de forma mais
consciente. Ainda assim, foi uma experiência violenta, como o cancro é quase
sempre.
Quase todos conhecemos pessoas
que, tendo sobrevivido a uma doença grave, passaram a olhar para a vida de
forma muito diferente, assumindo uma postura mais grata em relação a um bem que
damos por garantido quando vivemos em piloto automático. Ainda assim, não há
ninguém que deseje passar por uma experiência como esta e todas as pessoas que
estão neste momento a lutar pela vida davam tudo para ter a normalidade de
volta.
Traição: um terramoto emocional
Uma infidelidade é um terramoto
que só quem já viveu compreende. Quase todos os dias ouvimos falar de histórias
de traições e de casamentos que terminam e acabamos por supor que sabemos quase
tudo sobre o assunto. Até assumimos, com profunda convicção, aquilo que
faríamos (e o que não faríamos) se nos tocasse a nós.
Em primeiro lugar, há a tristeza
e a ansiedade, que surgem com uma intensidade com que ninguém conta. Isto
acontece precisamente porque, de uma maneira geral, quando nos ligamos a alguém
romanticamente e construímos uma relação duradoura, o nosso bem-estar passa a
estar absolutamente correlacionado com o bem-estar da outra pessoa. É um
bocadinho como se uma parte do nosso coração passasse a bater fora do nosso
corpo. Por exemplo, há diversos estudos que mostram que uma ligação amorosa se
estende até a um nível biológico. Isto é, a nossa saúde física, o nosso
batimento cardíaco, a nossa imunidade e a probabilidade de sermos afetados por
um conjunto de doenças são afetados pela qualidade do estado da relação.
Quando o tapete é puxado e uma
pessoa descobre que a pessoa a quem está emocionalmente ligada a traiu, toda a
vida parece desmoronar-se e todas as certezas se evaporam. É um pesadelo que
ninguém deseja, que ninguém antecipa.
Uma infidelidade pode ser uma oportunidade de crescimento?
Mais cedo ou mais tarde, todas as
pessoas afetadas por uma traição são confrontadas com a necessidade de tomar
decisões. É nesta altura que se dão conta de que falar é sempre mais fácil do
que fazer e que, afinal, é absolutamente possível querer continuar uma relação
depois de uma infidelidade, ainda que, na esmagadora maioria das vezes, não se
saiba como o fazer.
Na maior parte das vezes, os
casais que escolhem dar uma oportunidade ao casamento comprometem-se em colocar
uma pedra sobre o assunto e começar do zero. Dão o seu melhor no sentido de
tentarem trazer os elementos a que foram dedicando menos atenção de volta ao
dia a dia, como as saídas a dois e os gestos românticos. Invariavelmente,
dão-se conta de que, ainda que haja arrependimento genuíno e vontade de ambos
de reconstruir a relação, a realidade é quase sempre mais dura e desafiante.
É nesta altura que costumam pedir
ajuda da terapia de casal. Por um lado, sabem que o luto é um processo que não
acontece com um estalar de dedos e sentem a necessidade de conversar com alguém
de fora, que os ajude a identificar aquilo que cada um pode fazer para que
essas emoções sejam suficientemente valorizadas, sem que isso roube a esperança
num futuro mais risonho. Por outro, começam a dar-se conta de que há outras
“pequenas traições” que foram colecionando ao longo do tempo e que, não
justificando a infidelidade, precisam de ser reconhecidas, precisam de ser
discutidas.
Traições para além da infidelidade
Se duas pessoas são muito
agressivas uma com a outra, se se sentem sobretudo presas uma à outra, mas
passam a vida a fazer críticas e acusações, como se se tratassem de borboletas
cujas asas estão coladas à parede, será que podemos falar da inexistência de
traição?
A infidelidade é normalmente
hipercriticada. É um sinal claro de que alguém errou, desviando-se não só das
escolhas moralmente mais acertadas, mas sobretudo do compromisso que assumiu.
Mas quando iniciamos uma relação, não nos comprometemos apenas com a
fidelidade, pois não? Comprometemo-nos a ser carinhosos, a estar “lá” para
apoiar a pessoa que amamos, para a escutar todos os dias com atenção e a
incentivá-la a lutar pelos seus sonhos, por aquilo que a faz feliz.
Muitas vezes, não só nada disto
está presente numa relação, como há alguém que é continuamente desprezado,
continuamente ignorado, continuamente criticado. E, se não houvesse traição, o
círculo vicioso dificilmente se quebraria.
Esta é a verdade nua e crua:
alguns casamentos melhoram muito depois de uma infidelidade. Isso não significa
que a infidelidade seja a “receita” para melhorar um casamento. Nunca é. Mas,
para alguns, é a oportunidade para virar a vida do avesso, repensar escolhas e
ter um casamento genuinamente feliz.