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15.4.20

COMO EVITAR O DIVÓRCIO EM TEMPO DE ISOLAMENTO E COVID-19

Como evitar o divórcio em tempo de pandemia

Como se pode evitar o divórcio em tempo de confinamento e Covid-19? Quais são as queixas e os medos dos casais nesta altura? E quais são os segredos para uma relação saudável e duradoura, quer em tempos normais, quer neste contexto de isolamento social? 


- Entrevista à revista LIFE, do Diário de Notícias -

Como se evita o divórcio nesta fase estranha e complicada por que estamos a passar? Há a perceção de que as alturas em que os casais passam mais tempo juntos são, de facto, propícias a que aconteça... Porque é que isto sucede, em primeiro lugar?


Os períodos em que os casais passam mais tempo juntos, como as férias ou o Natal, são quase sempre recheados de muitas expectativas porque representam a oportunidade de finalmente parar para relaxar em família. Aquilo que muitas vezes acontece é precisamente o oposto, o que ajuda a explicar por que há tantas separações e pedidos de ajuda terapêutica nos períodos subsequentes. Enquanto estamos ocupados com o trabalho, as tarefas domésticas, a escola e as atividades dos filhos acabamos por prestar menos atenção aos nossos sentimentos e necessidades ou aos sentimentos e às necessidades da pessoa que está ao nosso lado. As pausas em família põem a nu todos os vazios, todas as lacunas da relação. Às vezes, é nessas alturas que se descobre uma relação extraconjugal.



Quando as emoções tomam conta dos membros do casal (em vez de serem as pessoas a tomar conta das emoções), é mais provável que haja muitos momentos de tensão, discussões mais acesas e que quase tudo dê azo a um círculo vicioso em que ambos reclamam e ambos se sentem injustiçados. Nas férias há menos escapes, menos distrações, menos “balões de oxigénio” e é mais provável que ambos tenham muito tempo para remoer à volta do que cada um disse ou fez.

É fácil intuir que o isolamento provocado pelo COVID-19 reúne um conjunto de variáveis que tornam a convivência familiar potencialmente mais difícil do que quaisquer férias, desde logo pela dificuldade em sair para espairecer, conversar com outras pessoas, pensar noutros assuntos. Mas também pela ansiedade e pelo medo que estão associados a esta nova realidade. As pessoas não lidam todas da mesma maneira com a incerteza e isso pode ser em si mesmo gerador de algumas discussões.

Alguns casais confrontar-se-ão com problemas antigos, que acabarão por tornar-se incontornáveis com o isolamento forçado e isso pode trazer naturalmente angústia e discussões. Outros sentir-se-ão “atropelados” por uma imensidão de problemas, já que às dificuldades anteriores juntar-se-ão desafios de natureza financeira, incerteza em relação à manutenção do trabalho e preocupações com a saúde de familiares.

Mas haverá certamente quem consiga sair desta crise com a relação fortalecida. De resto, há inúmeros testemunhos de casais que se sentiram mais unidos na sequência de acontecimentos tremendamente difíceis.

Uma das ferramentas para evitar a escalada da tensão (e assim proteger a relação) consiste em reconhecer e verbalizar as emoções de forma clara, assertiva e compassiva.


Isto é evidentemente mais fácil de dizer do que fazer, mas é possível. Em primeiro lugar, é essencial que cada pessoa reconheça que – em tempos de Covid-19 ou outros quaisquer – tem o direito de sentir TUDO, mas não tem o direito de fazer TUDO. É natural que haja alturas em que nos sintamos furiosos, mas é desejável que não despejemos a nossa fúria na pessoa que está ao nosso lado. De uma maneira geral, a raiva é apenas a camada superficial. É a emoção que nos permite levar tudo à frente, mas é também aquela que mascara outras, que nos deixam mais expostos, mais vulneráveis, como a tristeza, o medo ou a solidão. Então, antes de darmos um par de berros ou de fazermos quaisquer acusações, é importante respirar fundo e permitirmo-nos parar. Se formos capazes de questionar «O que é que eu estou a sentir (para lá da raiva)?» e «Do que é que eu preciso», é mais provável que consigamos expressar os nossos sentimentos sem assumirmos uma postura agressiva. Aquilo que se pretende – e funciona – é que sejamos capazes de conseguir dizer «Preciso de ti» em vez de «Tu não fazes nada de jeito».

Por outro lado, é fundamental que nos permitamos parar para nos lembrarmos das qualidades da pessoa que está ao nosso lado, dos atributos que fizeram com que o(a) escolhêssemos. De uma maneira geral, a pessoa que está ao nosso lado é alguém que se preocupa genuinamente connosco, que deseja o melhor para nós e que é capaz de gestos altruístas. Por isso é que o(a) escolhemos, não é? Mas não é um robot, nem é perfeito(a). É alguém que também está certamente a dar o seu melhor nesta fase, ao mesmo tempo que se sente stressado(a), aflito(a), inseguro(a).

Uma postura compassiva implica que tentemos genuinamente colocar-nos na posição da pessoa que está ao nosso lado, que tentemos conhecer as suas preocupações, aquilo que o(a) inquieta e aquilo que lhe faz falta. Se formos capazes de ver verdadeiramente a pessoa que está ao nosso lado, de reconhecer e valorizar as suas emoções, é muito mais provável que ele(a) se sinta motivado(a) para responder com atenção e afeto aos nossos apelos – mesmo em tempos de isolamento.

Precisamente porque não somos perfeitos, é importante que a compaixão se estenda a nós próprios e nos permita aceitar que é natural que cometamos erros. Estamos a dar o nosso melhor, mas há demasiadas coisas para gerir. Quando erramos com a pessoa que está ao nosso lado, temos ao nosso alcance uma ferramenta valiosa e que, de uma maneira geral, distingue os casais felizes dos casais em crise: a capacidade para pedir desculpa. Não me refiro aos pedidos de desculpa feitos à pressa e que tenham apenas como objetivo aliviar a própria pressão. Refiro-me à genuína vontade de empatizar com a outra pessoa e de dar o primeiro passo, de forma altruísta, para voltar a ficar tudo bem. Trata-se de nos lembrarmos que é preferível tomar esta iniciativa e proteger a relação em vez de fazer um braço-de-ferro para provar que temos razão.

Não é um paradoxo os casais afastarem-se mais justamente quando estão juntos durante mais tempo? O que é que isto diz das nossas relações e dos tempos que vivemos?

Pode parecer um paradoxo, mas é na verdade perfeitamente compreensível. Somos seres sociais, estamos programados para construir laços afetivos, mas isso não significa que precisemos apenas de uma pessoa para sermos felizes. De resto, quase todos os casamentos em que isso acontece – isto é, quando uma pessoa alimenta a expectativa de que a outra seja responsável pela sua felicidade -, correm sérios riscos. Na prática, precisamos de uma “aldeia” inteira, quer para nos sentirmos felizes, quer para protegermos a nossa relação conjugal. Quando saímos com amigos, quando temos um grupo de pessoas com quem nos sentimos à vontade para conversar ou para praticar um deporto ou fazer qualquer outra coisa de que gostamos, estamos a alimentar a nossa individualidade e a retirar pressão dos ombros da pessoa que amamos.

Quando sabemos que há outras pessoas a quem podemos ligar num momento de aflição, sentimo-nos mais amparados e cobramos menos à pessoa que está ao nosso lado.


Pelo contrário, quando o cônjuge tem de ser o amante, o melhor amigo, o psicólogo, o confidente e o companheiro de todas as aventuras, há demasiada pressão.

A maior parte das relações precisam de uma certa “distância de segurança”, que permita que cada um se sinta com espaço para explorar os seus interesses e a sua individualidade ao mesmo tempo que acrescenta a novidade, a sedução, o mistério e a consciência de que a pessoa que está ao nosso lado nos escolheu, mas não é verdadeiramente nossa nem está garantida.

É também por isso que o isolamento forçado pela pandemia é uma fonte de desgaste, mesmo para os casais mais felizes e saudáveis.

Como se mantém um casamento saudável? Quais são os segredos para uma relação saudável e duradoura, quer em tempos normais, quer neste contexto de maior confinamento e isolamento social?


Como expliquei antes, é essencial que cada um tome conta das próprias emoções e aprenda a exterioriza-las de forma clara, sem ataques pessoais. Referi-me à escalada de tensão, mas aqueles que mais me preocupam são sempre os casais que não discutem. Tenho seguido alguns que simplesmente deixaram de deitar cá para fora aquilo que os incomodava, baixaram os braços e um dia perceberam que já não havia ligação.

Mesmo numa altura em que a maior parte das famílias estão fechadas em casa, é relativamente fácil que cada um passe muito tempo num canto e que a comunicação seja praticamente inexistente. Na verdade, muitas famílias já estavam habituadas a não confraternizar, nem sequer às refeições, preferindo o refúgio e a gratificação imediata das redes sociais.

Por isso, uma das coisas que proponho é que as famílias aproveitem este período para criar ou reforçar rituais que fomentem o relaxamento e a conexão. As refeições podem ser um ponto de partida para que a família se reúna para comer e partilhar os sentimentos. Nesta altura até pode parecer que não há nada para partilhar e que as novidades são praticamente inexistentes, mas aquilo de que cada um de nós precisa é de sentir que há quem se importe com aquilo que sentimos – seja a propósito do que for. Quando nos sentamos à mesa e dizemos «Não imaginas o que acabei de ler no Facebook», não precisamos de ouvir uma crítica ou de ver a pessoa que amamos a revirar os olhos num sinal de desprezo e desinteresse. Precisamos que ele(a) preste atenção, que se interesse.

As nossas ligações constroem-se na medida em que sejamos capazes de fazer escolhas altruístas, que impliquem que respondamos com atenção e afeto aos pequenos gestos ou pedidos de atenção.

Este período também pode ser ideal para criar novos hábitos de lazer, como os jogos de tabuleiro ou outros que nos permitam relaxar e dar algumas gargalhadas em família.

Por outro lado, é mesmo importante que não nos esqueçamos daquilo que caracteriza as relações de casal, distinguindo-as de todas as outras: a intimidade física. É evidente que o desejo sexual também pode ser afetado pela ansiedade provocada por esta pandemia, mas não há nada que nos impeça de manter os gestos de afeto e de mostrar à pessoa que amamos de forma clara e recorrente que a amamos.

Não há nada mais terapêutico do que o toque. Quando nos sentimos tocados com carinho, sentimo-nos mais seguros, mais otimistas.


Ainda do ponto de vista da intimidade sexual, é fundamental que cada um fale abertamente sobre aquilo que sente e aquilo de que precisa – para evitar equívocos e sentimentos de rejeição. Mas não basta assumir que a ansiedade está por detrás da diminuição do desejo. É preciso comprometermo-nos de maneira a que o sexo não desapareça das nossas vidas. É preciso criar momentos só para o casal, mesmo que seja depois de as crianças se deitarem. É preciso contrariar a vontade de andar de pijama o dia todo e investir no autocuidado. É preciso que cada um tenha algum tempo só para si e que haja espaço para a fantasia e para a imaginação.

Quais são as queixas, os pedidos, os medos, os desabafos que mais tem ouvido em consulta nos últimos tempos? O que é que pode ser pior do que o próprio coronavírus para os casais?

A maior parte das famílias estão a adaptar-se a um conjunto de novas rotinas. Do mesmo modo que este vírus veio expor as fragilidades dos diferentes sistemas de saúde, mas também já trouxe um investimento significativo em recursos que vão ficar cá para além desta crise, o mesmo pode acontecer com as famílias. Numa primeira fase, é natural que venham à tona as dificuldades e os vazios, mas o investimento de cada pessoa pode revelar-se valioso para o estreitamento dos laços.

Por enquanto vou ouvindo muitos desabafos relacionados com a incerteza em relação à situação profissional, queixas relacionadas com problemas de comunicação e falta de conexão e lamentos que têm a ver com o malabarismo que é tentar ser pai ou mãe, profissional, professor(a) e educador(a) de infância. Não é fácil gerir as exigências profissionais com a carga de trabalhos escolares e não é mesmo nada fácil combinar a privacidade que algumas reuniões por videoconferência exigem com as birras e solicitações das crianças pequenas.

Nas minhas consultas chamo muitas vezes a atenção para os efeitos terapêuticos de uma ferramenta que é a autocompaixão. Quando conseguimos dar-nos conta de que estamos a ser excessivamente duros connosco e substituímos esses pensamentos por um discurso genuinamente compassivo, sentimo-nos muito melhor.

Temos a obrigação de dar o nosso melhor para que o(a) nosso(a) companheiro(a) e os nossos filhos continuem a receber a nossa atenção plena e o nosso afeto, mas a vida não pode ser uma competição e nenhum de nós vai receber o título de “o(a) mais perfeito(a)”. Ouço alguns lamentos relacionados com aquilo que as famílias observam à sua volta através das redes sociais. Às vezes é tentador compararmo-nos com aquilo que vemos na montra do Facebook ou do Instagram e esquecermo-nos de que as fotografias que ali vão parar são um pequenino excerto da vida de cada um. Quase ninguém publica fotografias da casa virada do avesso ou das birras dos filhos, mas essa é, atualmente, a realidade da maior parte das famílias.

Não estamos todos nas mesmas circunstâncias e é evidente que há famílias que enfrentam mais dificuldades do que outras, mas se há algo que esta pandemia trouxe foi o lembrete da humanidade comum. O que quer que estejamos hoje a viver, está a ser partilhado, no mesmo instante, por milhões de pessoas. Sejamos genuinamente bondosos connosco e com a pessoa que escolhemos e este desafio será mais facilmente ultrapassado.
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