Os casais que foram “apanhados” pela pandemia do Covid-19 em pleno processo de separação debatem-se com dificuldades acrescidas. Uma está relacionada com o momento de comunicar a decisão às crianças. Devem ter esta conversa agora? Ou será mais prudente esperar pelo fim do confinamento?
Continuo a acompanhar pessoas em
processo de separação (nas consultas online). Algumas foram “apanhadas” pelo
confinamento antes de contarem aos filhos, antes de um dos dois sair de casa,
antes de todas as respostas estarem definidas. No princípio, a ideia de estarem
de quarentena durante 15 dias parecia compatível com o adiamento de todas as
decisões, mas, à medida que o tempo foi passando, a perspetiva de esta pandemia
se prolongar por tempo indefinido veio trazer ainda mais ansiedade a pessoas
que já estavam a atravessar o período mais difícil das suas vidas.
Comunicar a separação aos filhos:
A conversa que ninguém quer ter
Não é fácil comunicar aos filhos
que o pai e a mãe se vão separar. Como explico no livro “Continuar a Ser
Família Depois do Divórcio”, esta é a conversa que ninguém quer ter. Há muitas
emoções envolvidas – o medo da reação dos filhos e de não ter todas as
respostas para as perguntas que possam surgir, a tristeza pelo fim do projeto
familiar, a mágoa de quem é deixado, a insegurança em relação ao futuro.
Compreensivelmente, há quem vá adiando esta conversa até ao limite.
Com a chegada da pandemia e da
obrigatoriedade de confinamento muitos pais e mães adiaram a comunicação da
separação aos filhos, questionando se valeria a pena avançar com essa partilha
numa altura em que é mais difícil concretizar todos os passos inerentes a um
divórcio ou a uma separação. Afinal, o mais certo é que tenham de continuar a
conviver na mesma casa durante mais algum tempo.
Mas a verdade é que o segredo é
tremendamente tóxico e a minha experiência mostra-me que, apesar de todos os
esforços, os filhos sabem quase sempre mais do que os adultos acham que eles
sabem.
Às vezes tomam conhecimento da
decisão a partir de conversas telefónicas entre um dos progenitores e outros
familiares ou amigos, outras vezes ouvem conversas entre o pai e a mãe.
O confinamento veio obrigar as
famílias a passar 24 horas por dia em casa, o que, para os casais em processo
de separação, pode implicar muitos silêncios, inexistência de gestos de afeto,
tristeza, ansiedade, tensão, irritabilidade e amargura. As crianças e os
adolescentes são muito sensíveis à linguagem não verbal dos pais e são quase
sempre muito perspicazes no que toca ao reconhecimento deste tipo de problemas.
Quando os pais optam por continuar em silêncio, isso pode querer dizer que os
filhos tenham de lidar com o assunto sem o colo dos adultos.
É por isso que, de uma maneira
geral, é preferível que esta conversa aconteça tão cedo quanto possível –
mesmo em tempos de confinamento. Assim, os filhos têm a oportunidade de colocar
as suas dúvidas, têm oportunidade de pedir ajuda para organizar as suas
emoções. Por outro lado, os adultos deixam de ter de fingir e passam a viver
uma vida mais autêntica.
Um divórcio ou uma separação é
invariavelmente uma perda gigantesca para todos os membros da família, mas, tal
como acontece com outras perdas, é preciso dar espaço para que todas as emoções
sejam exteriorizadas com verdade, permitindo que os laços se estreitem. Não há
nada como a certeza de que há quem genuinamente se importe connosco, com o
nosso sofrimento. Quando isso acontece, sentimo-nos invariavelmente mais
ligados.