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9.7.20

FAMÍLIAS DISFUNCIONAIS

Família disfuncional


Quais são as características de uma família disfuncional? E quais são as respostas que devemos procurar quando damos conta de que crescemos numa família disfuncional?


Ouço muitas vezes no meu trabalho com adultos a frase “Cresci numa família disfuncional”. Na maior parte das vezes, a expressão refere-se aos problemas familiares que deixaram marcas profundas, mas nem sempre se trata de famílias com as características de uma família disfuncional.


Quais são as características de uma família disfuncional?


#1: ABUSOS


Nem todas as famílias disfuncionais são caracterizadas pela existência de abusos físicos ou sexuais, mas este é um sinal indiscutível de disfuncionalidade. Para além de todas as consequências que se prolongam pela vida fora, aquilo que observamos nestas famílias é a “normalização” dos abusos.


Já todos ouvimos frases como «Eu apanhei do meu pai/ da minha mãe e estou aqui», como se a sobrevivência fosse sinal de saúde mental.


As crianças que crescem habituadas à violência física tomam esse exemplo como “normal”.


As pessoas que dão afeto e atenção são as mesmas que agridem, às vezes de forma brutal.


Em muitos destes casos, é só na idade adulta que a pessoa se dá conta de que foi alvo de comportamentos abusivos – às vezes essa perceção no contexto de uma relação amorosa, noutros casos surge em terapia.


#2: VIOLÊNCIA EMOCIONAL


A violência emocional pode assumir muitas formas. É por isso que às vezes pode ser difícil reconhecer um comportamento como uma forma de abuso emocional. Ser-se emocionalmente violento não é apenas gritar e insultar. De resto, a maior parte dos exemplos de violência emocional a que acedo no meu trabalho com famílias não incluem quaisquer insultos.


São exemplos de violência emocional (e da disfuncionalidade de uma família):

Ignorar as necessidades (físicas ou emocionais dos filhos);

Retirar o afeto à criança quando não vai ao encontro da vontade do adulto;

Hipercrítica (humilhações);

Fazer ameaças;


#3: AMOR CONDICIONAL


Hoje em dia estamos muito familiarizados com o conceito de amor incondicional. A maior parte dos pais e mães que tenho conhecido dão o seu melhor para que os filhos saibam que são merecedores de amor independentemente das suas opções. Mas há muitos adultos que cresceram num ambiente familiar tão exigente que a sensação era a de que estavam sistematicamente “aquém” das expectativas.


Nas famílias disfuncionais é frequente os adultos mostrarem desilusão a propósito das escolhas dos filhos – não porque eles tenham cometido erros, mas porque contrariaram a vontade dos pais.


Quando os filhos não fazem aquilo que os pais gostariam que eles fizessem, o amor é “retirado”. Na prática, continua a haver comunicação, mas é mais “seca” e desprovida de afeto.


Estas crianças transformam-se frequentemente em “people pleasers”, isto é, em adultos preocupados em agradar a toda a gente, negligenciando os próprios sentimentos e as próprias necessidades.


#4: INEXISTÊNCIA DE FRONTEIRAS


Nas famílias disfuncionais a invasão da privacidade dos filhos é uma constante. O espaço físico (quarto) é invadido, mesmo quando os filhos já são adolescentes ou adultos e a correspondência é frequentemente violada. Mais do que isso: os pais podem sentir-se no direito de tomar decisões em nome dos filhos, mesmo quando estes já têm autonomia para tomar as próprias decisões.


A inexistência de fronteiras também faz com que os pais partilhem demasiadas informações com os filhos, transformando-os em confidentes desde muito cedo. Aquilo que acontece é que os filhos são confrontados com assuntos que só deveriam dizer respeito aos pais e sentem-se muitas vezes obrigados a proteger os progenitores (ou um deles), a tomar decisões e a fazer o que estiver ao seu alcance para ajudar a resolver os problemas.


Em Psicologia há um nome para estas crianças: são crianças parentificadas, que assumem desde cedo responsabilidades que deveriam recair sobre os ombros dos adultos.



# 5: INEXISTÊNCIA DE COESÃO E INTIMIDADE


Por estranho que pareça, nas famílias disfuncionais não há muita intimidade. Há normalmente um grande emaranhamento, resultante da inexistência de fronteiras. Toda a gente se mete na vida de toda a gente, o que pode ser confundido com coesão familiar. Claro que também pode haver genuína preocupação, mas, de uma maneira geral, os membros da família sentem-se pouco confortáveis com a ideia de partilharem os seus sentimentos mais íntimos uns com os outros. Na prática, não há a devida valorização dos sentimentos ou das necessidades de cada um, não há o devido respeito e, em função disso, torna-se mais difícil falar abertamente e criar verdadeira intimidade.


#6: TRIANGULAÇÃO


Nas famílias saudáveis os assuntos são resolvidos de-um-para-um. Cada pessoa sente-se confortável para manifestar aquilo que sente, para se queixar e até para discutir. Nas famílias disfuncionais é frequente a existência de triangulações. Na prática, quando uma pessoa se zanga com outro membro da família, opta por falar com um terceiro membro em vez de resolver o assunto diretamente. Por exemplo, se a mãe se zangar com o pai, é capaz de ir falar mal do pai junto do filho e até é capaz de o pressionar no sentido de enviar recados. Este padrão relacional tende a eternizar-se e os filhos rapidamente aprendem a fazer o mesmo.


Quando existem estas alianças perversas, há, pelo menos, duas consequências negativas: por um lado, os problemas dificilmente são resolvidos e, por outro, a confiança nos membros da família é muito diminuta.


#7: COMPORTAMENTOS ADITIVOS


Nas famílias disfuncionais encontramos frequentemente o consumo abusivo de álcool e drogas e o vício do jogo. Estes comportamentos trazem muita instabilidade para toda a família. Os filhos crescem quase sempre com muita incerteza e transformam-se quase sempre em crianças (e mais tarde adultos) hipervigilantes e ansiosos. É como se nunca soubessem com o que podem contar, como se nunca tivessem a certeza de que, ao chegar a casa, encontrarão um ambiente tranquilo ou o caos.


Nestas famílias é comum haver muitos gritos, muita violência.

 

Que respostas existem para as famílias disfuncionais?


A família em que crescemos oferece-nos os primeiros conceitos de normalidade. É junto dos nossos pais e familiares mais próximos que interiorizamos, pelo exemplo, o que é normal e o que não é normal. Mas à medida que crescemos e, sobretudo, à medida que construímos outras relações afetivas, vamo-nos dando conta dos erros que os nossos pais e outros cuidadores cometeram.


As pessoas que cresceram numa família disfuncional muitas vezes só se apercebem dessa disfuncionalidade na idade adulta. Às vezes, essa perceção surge na sequência dos problemas existentes na relação conjugal. Noutros casos, surge na sequência de um pedido de ajuda em resposta a uma perturbação ansiosa ou depressiva.



A terapia é invariavelmente um porto seguro

 através do qual o adulto que cresceu numa família disfuncional

tem oportunidade de identificar e tratar as feridas

emocionais que ficaram desse período.




De uma maneira geral, esse processo implica a recuperação da própria voz.


Estas pessoas habituaram-se a conter (ou anular) os próprios sentimentos e pode levar algum tempo até que aprendam a fazê-lo de forma autêntica e assertiva.


Por outro lado, as marcas que ficam afetam quase sempre o amor-próprio, pelo que há um trabalho a ser feito para que a pessoa interiorize que é merecedora de amor e possa fazer escolhas que permitam construir relações emocionalmente saudáveis.


Claro que este trabalho terapêutico também depende da capacidade de reconhecer que é preciso algum afastamento em relação aos comportamentos tóxicos. Na prática, isto pode ser muito difícil porque se trata de adultos que passaram a vida inteira a desvalorizar as próprias necessidades e a sentir a obrigação de agradar aos outros. Reconhecer que têm o direito de se afastar destes comportamentos não é sempre fácil, mas é essencial.


A recuperação também implica o reconhecimento dos padrões de relacionamento disfuncionais e a capacidade de romper com esses padrões, também para evitar que eles se reproduzam na família que se quer construir. É natural que, pelo meio, haja muitos sentimentos de culpa, que haja medo e incerteza, mas, no final, compensa muito.


Todo este processo depende do reconhecimento de que vamos sempre a tempo de melhorar a nossa vida, MAS só podemos mudar o nosso comportamento. Por muito que custe aceitar, não podemos mudar as pessoas de quem gostamos. Podemos, isso sim, relacionar-nos com elas de formas mais saudáveis e protetoras do nosso bem-estar.


Terapia Familiar e de Casal em Lisboa