O que é a violência emocional?
O que é que é abuso? O que é que não é abuso? Será que ele(a) muda? O que é que
é preciso para que ele(a) mude? O que fazer quando há abusos? Como responder em
circunstâncias específicas? Que escolhas devo fazer para ser tão feliz como
mereço? O livro “O Problema não sou eu, és tu” pretende responder a estas e
outras questões.
Quando, há uns anos, publiquei no
blogue “A Psicóloga” um artigo sobre violência emocional, estava longe de
imaginar que viria a receber tantos pedidos de ajuda de pessoas
(maioritariamente mulheres) que se reviam naquela caracterização. Na maior
parte das vezes, estes pedidos de ajuda estavam associados a sentimentos
contraditórios. Por um lado, a tristeza, a ansiedade, os sentimentos de culpa e
de vergonha associados à exposição aos abusos e, por outro, o alívio por haver
um nome para aquela realidade e a esperança de que o pedido de ajuda pudesse
ser o início de uma mudança para melhor.
De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS), durante o período de confinamento associado à pandemia
provocada pela COVID-19, o número de casos de violência doméstica na Europa
aumentou 60%. Em Portugal, no mesmo período o número de pedidos de ajuda por
via telefónica e digital teve um aumento de 180% face ao primeiro trimestre.
Não houve um aumento significativo de situações novas, mas houve uma agudização
de situações de violência que já existiam.
No entanto, estas queixas
reportam, na esmagadora maioria das vezes, situações de violência física, em
que as marcas são visíveis e «fáceis» de registar. Os números de violência
psicológica são muito mais difíceis de apurar, desde logo porque a vítima
sente-se invariavelmente encurralada pela inexistência de provas que confirmem
o seu testemunho. Se a isso juntarmos o efeito destruidor que os abusos têm na
autoestima, a par do isolamento social e do medo de ninguém acreditar em si, é
fácil perceber porque há tantos casos que não chegam ao nosso conhecimento.
Uma das coisas que aprendi com as
vítimas de violência emocional foi que quanto mais informados estivermos a
propósito do que são comportamentos abusivos, não só do ponto de vista físico,
mais óbvios, mas também em termos emocionais, maior é a probabilidade de sermos
os primeiros a impedir que alguém – de forma voluntária ou involuntária – nos
maltrate. Neste livro, falo sobre as múltiplas formas que a violência emocional
pode assumir e explico que nenhuma relação abusiva contém todas essas formas.
Joana perdoou uma traição, mas
continuava a ter dúvidas sobre o real compromisso do namorado com a relação.
Como resposta, ouvia que estava a «estragar o ambiente». Nélson escreveu um
livro e, apesar do aval de uma editora, foi arrasado pela namorada: «Ainda vais
ter de os reembolsar pelo investimento». Jorge manipulava Sílvia constantemente
com a frase «Se tu gostasses mesmo de mim…». Cristina ouvia do marido que não
servia «sequer para ter sexo». Cláudio repetia a Elsa: «Não tens sentido de
humor».
Às vezes, a violência emocional
assume a forma de chantagem emocional. Outras vezes, assume a forma de
explosões e de humilhações. Mas também pode assumir a forma de amuos para impor
a própria vontade, pode envolver os filhos como arma de arremesso, pode
envolver tentativas de controlo através do dinheiro, pode apresentar-se de
forma tão ténue que é a vítima que acaba por sentir-se sistematicamente culpada
pelos problemas da relação. Há muitas formas de maltratar a pessoa que está ao
nosso lado, e os efeitos são sempre devastadores.
As pessoas não são monstros. Ao
longo deste livro, descrevo muitas relações marcadas por abusos. No entanto,
aquilo que importa, do meu ponto de vista, não é diabolizar ninguém, mas
mostrar, de forma absolutamente inequívoca, quão destrutivos podem ser alguns
comportamentos – independentemente de serem praticados de forma consciente ou
não. Até porque podemos ser nós os autores da violência emocional, por mais
difícil que nos seja reconhecê-lo. Não se precipite a colocar a mão no peito e
a dizer «Eu? Jamais!». Talvez se surpreenda. Há muitas expressões que nos
habituámos a ouvir e a reproduzir sem que alguma vez tivéssemos parado para as
analisar. Quantas vezes disse, mesmo que a «brincar», que o seu companheiro ou
companheira não o(a) merecia? Ou, perante uma piada mal aceite por parte do
outro, respondeu com um «Não tens sentido de humor»? E o «tratamento do
silêncio»? Alguma vez recorreu a ele para provocar alguma reação? Em
determinados contextos, todos estes são exemplos de abusos emocionais.
Ao longo deste livro, procuro
esclarecer alguns dos mitos associados à violência emocional, procuro mostrar
que esta forma de violência também pode estar presente na relação com os nossos
pais, com o chefe ou até com amigos. Se tem sido vítima de violência emocional,
é possível que muitas vezes se questione sobre a sua saúde mental, é possível
que às vezes se sinta a enlouquecer. Não, você não está maluco(a) e este livro
pode ajudá-lo(a) a recuperar a autoestima que se deteriorou ao longo da relação
abusiva.
Na segunda parte do livro,
partilho um conjunto de ferramentas que o(a) ajudarão a avaliar se a pessoa que
pratica os abusos está ou não capaz de se comprometer com a mudança e refiro-me
a várias formas de recuperar de uma relação abusiva. Sair ou ficar na relação? No
final desta leitura, espero que se sinta mais capaz de tomar uma decisão.
Este livro não é um incentivo ao
fim das relações. É, ou pode ser, o início da construção de uma vida
genuinamente feliz e equilibrada. A informação que escolhi partilhar tem a intenção
de o(a) ajudar a dar os passos de que necessita para que da sua vida faça parte
uma relação maravilhosamente imperfeita onde a sua voz e os seus sonhos sejam
acolhidos e incentivados. Felizmente, tenho assistido a muitas histórias
bonitas que me mostram que a vida pode dar muitas voltas e que, quando cuidamos
de nós com o amor e a dedicação que oferecemos aos outros, é mais provável que
vivamos rodeados de quem nos quer bem.