Todas as pessoas passam por situações difíceis ou até traumáticas, mas, na maioria das vezes, têm a capacidade de seguir em frente. O que é que nos permite levantar e arregaçar as mangas de cada vez que caímos? Porque é que há pessoas mais resilientes do que outras? Como é que podemos desenvolver a resiliência?
O que é a resiliência?
A resiliência é a capacidade de
nos adaptarmos às situações mais stressantes e desafiadoras da vida. Ao
contrário do que possamos imaginar, a maioria das pessoas são resilientes.
Claro que um simples olhar à nossa volta nos mostra que há pessoas mais
resilientes do que outras. Todos conhecemos pessoas que fazem um drama à menor
contrariedade e outras que mostram uma capacidade incrível de se reerguer mesmo
nas maiores adversidades. Quando olhamos para desafios intensos como o
diagnóstico de um cancro, a perda de emprego ou um divórcio, é evidente que se
trata de marcos muito significativos capazes de abalar a felicidade e a
estabilidade da maioria das pessoas. Mas também é claro que a maior parte das
pessoas que conhecemos acabam por ultrapassar estes desafios, adaptando-se e
reerguendo-se.
Podemos desenvolver a resiliência?
Os estudos sobre a Psicologia
positiva evoluíram muito nas últimas décadas e contribuíram para o conhecimento
que hoje temos sobre este tema. A resiliência está diretamente relacionada com
níveis mais elevados de autoconfiança, bom humor, e uma imagem positiva de nós
mesmos e a boa notícia é que podemos desenvolvê-la em qualquer momento da
nossa vida.
Dicas para desenvolver a resiliência
1. Conte
com o apoio dos outros.
Perante um problema difícil, pode
ser tentador fechar-se na sua concha e contar apenas consigo mesmo. As pessoas
que cresceram por sua conta, sem sentirem que pudessem confiar ou contar com os
adultos à sua volta, podem sentir maior dificuldade em vulnerabilizar-se,
confiar nos outros ou pedir apoio. É importante que tenhamos compaixão pelas
nossas vulnerabilidades, pelas nossas feridas emocionais, mas que não
permitamos que elas se cristalizem e nos impeçam de explorar novos caminhos.
Se tem dificuldade em pedir apoio ou em confiar
nos outros, é porque em algum momento da sua
vida houve a necessidade de esse mecanismo de
defesa surgir, mas isso não significa que hoje não
haja ninguém que seja merecedor da sua confiança.
Desabafar e contar com o apoio
dos outros é um meio importante para nos sentirmos amparados e conseguirmos
enfrentar com resiliência as adversidades.
2. Olhe
para os problemas com flexibilidade.
Não podemos mudar aquilo que nos
aconteceu no passado nem podemos mudar alguns acontecimentos do presente, mas
podemos mudar a forma como olhamos e reagimos a todos estes eventos. Quando
olhamos para trás e identificamos os acontecimentos mais difíceis da nossa
vida, temos, pelo menos, duas alternativas. Uma é vitimizarmo-nos, olhar
para nós mesmos como coitadinhos, olhar para os acontecimentos como catástrofes
em relação às quais nada podemos fazer, olhar para os traumas como
inultrapassáveis e para as pessoas que causaram esses traumas como monstros. A
outra é olhar para os acontecimentos com abertura e curiosidade e olhar para as
pessoas à nossa volta com compaixão, reconhecer as suas próprias vulnerabilidades
e o sentido de humanidade comum que está associado à certeza de que cada pessoa
faz, num dado momento, o melhor que sabe. De uma maneira geral, esta abordagem
ajuda-nos a reconhecer também o lado mais positivo de cada evento negativo. Por
exemplo, as pessoas que cresceram com um progenitor alcoólico serão mais
resilientes na medida em que sejam capazes de perceber que a forma como esse
progenitor cresceu e a forma como recebeu (ou não recebeu) o amor dos seus
cuidadores condicionou a estruturação da sua personalidade. Esta compaixão abre
espaço para que consigam reparar nos gestos daquele progenitor que mostram
afeto, apesar de todas as feridas emocionais.
3. Aceite
que o sofrimento faz parte da vida.
«Shit happens», já ouviu dizer?
Quando nos confrontamos com uma adversidade, é fácil questionar «Porquê eu?
Porque é que isto me aconteceu?», mas a verdade é que a pergunta mais razoável
é «E porque não eu?». Olhe à sua volta: conhece alguém que nunca tenha
passado por dificuldades sérias? Talvez lhe ocorra responder que sim.
Afinal, todos conhecemos pessoas a quem a vida parece estar sempre a sorrir. Ou
será que são sobretudo pessoas que assumem uma postura otimista em relação à
vida?
Não há um único ser humano adulto
que nunca tenha enfrentado uma dificuldade séria – um divórcio, um problema de
infertilidade, uma traição, a perda de emprego, o alcoolismo de um familiar,
uma doença séria, a perda de um ente querido. Uma das coisas que diferencia as
pessoas resilientes é a aceitação de que o sofrimento faz parte da vida. É
também por isso que elas arregaçam as mangas mais rapidamente, em vez de
perderem tempo a vitimizar-se. Elas não precisam de ver o vizinho a sofrer para
reconhecerem a humanidade comum que as liga às outras pessoas. Elas não olham
para um momento de dor como uma tragédia que as exclui do direito à vida
perfeita que as outras pessoas mostram no Instagram.
Aceitar o seu sofrimento não
significa alimentar quaisquer sentimentos de pena de si próprio(a). Significa,
isso sim, reconhecer que as tragédias acontecem e que a forma como você
responde a essas tragédias vai influenciar (muito) o seu bem-estar. Aceitar que
o sofrimento faz parte da existência humana ajuda-nos a reconhecer que, nos
momentos difíceis, as escolhas que fazemos podem ajudar-nos a afundar ou a
nadar até à tona.
4. Enfrente
os problemas de forma ativa e direta, em vez de os evitar.
Enfiar a cabeça na almofada é um
direito seu, pelo menos na medida em que essa seja uma escolha transitória e uma
forma de permitir a si mesmo(a) sentir a dua dor. Mas esta opção deixa de ser
uma alternativa saudável na medida em que se transforme na única resposta aos
problemas. Quanto mais evitarmos confrontar-nos com os nossos problemas, maior
é a probabilidade de eles se transformarem em bichos papões que pareçam cada
vez mais difíceis de ultrapassar. Enfrentar os problemas, dar-lhes um nome e
fazer um plano para lidar com eles é a melhor forma de voltar a sentir que tem
controlo sobre a sua vida.
5. Liberte
a sua ansiedade.
Cada pessoa tem a sua própria
forma de lidar com a ansiedade, mas há escolhas que são mais saudáveis do que
outras. As pessoas que se disciplinam no sentido de incluir na sua rotina
hábitos como a meditação, a prática de exercício físico ou a realização de
hobbies que as ajudem a desconectar-se dos problemas e a descontrair, costumam
enfrentar as adversidades com maior resiliência.
6. Identifique
o seu propósito.
A vida leva-nos muitas vezes a um
piloto automático em que dificilmente paramos para prestar atenção às coisas
que mais valorizamos. Quando estamos demasiado acelerados pelo ritmo frenético
das nossas vidas, é fácil sentirmo-nos assoberbados, stressados e frustrados.
Parar para prestar atenção às coisas (e às pessoas) que mais valorizamos –
praticando ativamente a gratidão, por exemplo – pode ajudar-nos a reconhecer
com maior clareza o nosso propósito de vida e a definir objetivos que
genuinamente nos aproximem de uma vida mais feliz.
7. Crie
tempo para a brincadeira.
Se quisermos ver uma criança
feliz, é só criarmos espaço para que ela tenha a oportunidade de brincar, de
preferência acompanhada. Brinquedos + companhia = diversão. Às vezes, nem
sequer é preciso que haja brinquedos de verdade. Já reparou como duas crianças
se podem divertir com caixas velhas enquanto fingem que se trata de carros em
competição? Ou como brincam aos médicos mesmo quando não têm qualquer
equipamento que se assemelhe a um estetoscópio? A imaginação e a companhia são o
suficiente.
E este hábito é ainda mais
importante e terapêutico nos períodos de maior stress. Lembre-se disso da
próxima vez que disser que não tem tido tempo para fazer as coisas de que
gosta.
8. Foque-se
naquilo que pode mudar.
Somos muito bons a identificar as
ameaças. Na verdade, o nosso cérebro está altamente programado para isso. Este
mecanismo de sobrevivência é essencial nas situações em que a nossa
sobrevivência está em causa, como quando estamos na presença de um animal
feroz. A questão é que a nossa vida não está sistematicamente em risco.
Quando focamos toda a nossa atenção naquilo
que não controlamos, estamos a desperdiçar a nossa
energia e, mais importante do que isso, estamos a
desperdiçar a oportunidade de canalizar a nossa
atenção para aquilo que podemos mudar.
Por exemplo, quando um pai ou uma
mãe perde um filho, é evidente que o seu mundo muda para sempre. A morte é
irreversível e deixa-nos com um sentimento de impotência brutal. Não é por
acaso que diversos estudos mostram que a prevalência do divórcio é altíssima
depois de um acontecimento como este. Mas a verdade é que há muitos casais que
se mantêm unidos e cuja relação prospera, apesar de terem enfrentado a maior
das adversidades. Estes casais conseguem perceber que aquilo que perderam não
tem de lhes roubar aquilo que ficou.
Eles conseguem sentir-se gratos por aquilo que ainda têm e conseguem
centrar a sua atenção naquilo que podem fazer para manter aquilo que têm. Esta
postura – de praticar a gratidão e de centrar a atenção naquilo que podemos
mudar – é aplicável a todas as tragédias da vida.
9. Pergunte
a si mesmo(a): «As escolhas que estou a fazer são boas para mim?».
Se tiver acabado de ser
deixado(a) e estiver a passar por um divórcio, é natural que queira seguir
todos os passos do(a) seu(sua) ex-companheiro(a). Talvez passe horas nas redes
sociais na tentativa de saber se ele(a) tem alguém ou simplesmente para saber
se está online. Mas será que essas escolhas lhe fazem bem? Será que o(a)
ajudam a ficar melhor? Nem sempre conseguimos fazer as escolhas que nos
protegem ou que promovem o nosso bem-estar. Às vezes até sabemos exatamente o
que é que “deveríamos” estar a fazer, mas não é essa a nossa escolha. Há uma
diferença entre sabermos o que nos faz bem e sermos capazes de nos
comprometermos com essa escolha. Mas se formos capazes de trazer esta pergunta
para o nosso dia-a-dia, aumenta a probabilidade de sermos genuinamente gentis
connosco próprios.
Isto é aplicável às mais diversas
adversidades e a pergunta pode assumir diferentes formatos:
Será que eu preciso
mesmo de comprar isto?
Será que é bom para
mim deixar de ir ao ginásio e ficar fechada em casa a sofrer por amor?
Será que me faz bem
ir todas as semanas ao cemitério?
Será que me faz bem
alimentar pensamentos como «Nunca vais ser capaz de conseguir aquele emprego»?
Será que me faz bem
“googlar” sobre doenças?
10. Reconheça
a sua força.
Olhe para trás e repare na forma
como respondeu às diferentes adversidades com que já se confrontou. Que
características o(a) ajudaram a ultrapassar esses acontecimentos? Que escolhas
contribuíram para que não se afundasse?
Quando olhamos para os
acontecimentos mais difíceis da nossa vida, é natural que as recordações
estejam maioritariamente relacionadas com os sentimentos desconfortáveis por
que passámos, com o sofrimento vivido. Mas a esmagadora maioria destas
situações foram ultrapassadas graças à nossa resiliência, às escolhas que
fizemos e que também traduzem a nossa força. Por outro lado, estes
acontecimentos também acrescentam invariavelmente uma dose considerável de
crescimento pessoal. Há competências que nem sequer sabíamos que tínhamos e/ou
que foram aprimoradas na resposta às dificuldades. Há aprendizagens que jamais
teríamos feito se não tivéssemos passado por certos eventos. Sermos capazes de
reconhecer a nossa força, as características que nos ajudam a enfrentar as
dificuldades, é fundamental para que reconheçamos a resiliência que há em nós
para lidar com o que está por vir.